Há o temor de encolhimento do Estado, mas, por enquanto, Michel Temer manteve principais vitrines sociais
BBC Brasil
A criação de programas sociais foi uma das principais marcas dos 13 anos
de governos petistas. Para seus apoiadores, a troca de governo traria
uma incerteza sobre a continuidade de iniciativas como Bolsa Família,
Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, Prouni e Fies.
Mas seis meses depois da queda de Dilma Rousseff e ascensão de Michel
Temer ao comando do País o que aconteceu com esses programas?
Se hoje há um temor de que o ajuste fiscal proposto pelo novo presidente
trará um encolhimento do tamanho do Estado brasileiro, potencialmente
reduzindo serviços de saúde e educação, as principais vitrines sociais
têm sido mantidas pela nova administração federal.
O Bolsa Família, por exemplo, teve seu valor reajustado pouco após a
posse de Temer, enquanto o Minha Casa Minha Vida segue em marcha lenta
no atendimento às famílias mais pobres — o que já acontecia desde o ano
anterior, ainda no governo Dilma.
Confira abaixo o que aconteceu com cada programa.
Bolsa família
Menos de dois meses após sua posse, Temer anunciou um aumento médio de
12,5% do benefício do Bolsa Família — a última correção havia sido feita
dois anos antes. O presidente constantemente cita o reajuste para
rebater as críticas de que seu governo não prioriza a área social.
Na semana passada, o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário
anunciou ter feito "o maior pente-fino já realizado em toda a história
do Bolsa Família" para combater "irregularidades" e "garantir que o
benefício seja destinado a quem realmente precisa".
Após realizar o cruzamento de diferentes bancos de dados —como INSS,
Caged (registros formais de trabalho), registros de óbitos, entre outros
—, a pasta anunciou o cancelamento de 469 mil benefícios e o bloqueio
de outros 654 mil, o que representa 8% do total de 13,9 milhões de
benefícios.
Ex-ministra da área social no governo Dilma, Tereza Campello refuta o
ineditismo da medida. Segundo ela, desde 2007, as administrações
petistas promoveram cruzamento de dados para identificar inconsistências
no programa. Em 2014, por exemplo, 1.290 milhão de benefícios foram
cancelados ou bloqueados ainda antes da eleição, afirmou.
Para Campello, o tom do anúncio do novo governo "criminaliza os mais pobres".
"Todo ano temos a malha-fina do Imposto de Renda e não há esse escarcéu,
não chamam de fraude. Esse tom atrapalha a política pública,
criminaliza os pobres e incita um ambiente de ódio. Me preocupa que esse
ambiente esteja preparando para uma redução do Bolsa Família", afirmou.
À BBC Brasil, o ministério afirmou que não pretende realizar mudanças no programa.
"Não estamos cortando recursos. Todo esse dinheiro voltará para a área
social, seja para aqueles que estão na fila de espera e até, quem sabe,
para melhorar os valores repassados", disse o ministro do
Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra, ao anunciar o
"pente-fino".
Minha Casa, Minha Vida
O Minha Casa, Minha Vida - programa que subsidia casas para grupos de
menor renda — já havia encolhido no governo Dilma e segue reduzido no de
Temer. O principal problema está na faixa 1 do programa, justamente a
que atende o segmento mais pobre (famílias com renda mensal de até R$
1.800, segundo as novas regras do programa).
Nessa faixa, as contratações de novas unidades estão quase paralisadas desde 2015 devido aos cortes de gastos do governo.
As novas unidades contratadas caíram de um recorde de 537 mil em 2013
para apenas 16,9 mil no ano passado e 32,5 mil neste ano, até setembro. O
grosso de 2016 foi contratado em maio, justamente quando houve a troca
de governo.
A razão da forte queda das contratações é que a faixa 1 custa bem mais
caro para a União (que banca até 90% do imóvel) do que as faixas 2 e 3
(renda familiar de R$ 2.351 a R$ 6.500, segundo as novas regras). Nesses
dois grupos, a redução das contratações tem sido bem menor.
O atual governo acaba de implementar uma nova faixa (1,5), que já havia
sido anunciada por Dilma, para atender famílias com renda até R$ 2.350 -
ela vai oferecer menos subsídio que a faixa 1, mas mais do que as 2 e
3.
"Nesse momento, o Minha Casa Minha Vida está em uma completa paralisia
enquanto programa social. Enquanto crédito habitacional, ele continua
funcionando", critica Guilherme Boulos, membro da coordenação nacional
do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).
Responsável pelo programa, o Ministério das Cidades informou que "em
virtude do atual cenário macroeconômico do País, que impôs restrições de
natureza orçamentária e financeira", a prioridade neste ano é retomar
as obras paralisadas e entregar moradias contratadas.
Segundo o presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da
Construção), José Carlos Martins, o governo tem retomado as obras
paradas a um ritmo de 4.000 a 5.000 unidades por mês.
"Teve muito atraso de pagamento no governo Dilma, muita empresa não aguentou, teve dificuldade e abandonou as obras", observa.
Para o próximo ano, a previsão da proposta de Orçamento que tramita no
Congresso é de contratação de 170 mil unidades na faixa 1 e 400 mil nas
demais.
A expectativa de Boulos e Martins, porém, é que a aprovação da PEC do
teto (que prevê que os gastos do governo não poderão subir acima da
inflação por vinte anos) deve impactar o futuro do programa. Isso
porque, mesmo que a arrecadação se recupere, as despesas não poderão
subir no mesmo ritmo.
"Isso é um drama para o setor", observa Martins.
"Não se trata apenas de dizer que não têm recurso agora, mas de apontar
para um congelamento de investimento social pelos próximos 20 anos. A
situação com certeza representa um agravamento", afirma Boulos.
Desde a criação do programa, em 2009, foram contratadas 4,4 milhões de
unidades (40% na faixa 1) e entregues 3,076 milhões (35% na faixa 1).
Mais Médicos
Nascido há três anos sob críticas da classe médica brasileira, o
programa Mais Médicos hoje é "muito bem avaliado, pelos gestores e pela
população, principalmente os profissionais cubanos", disse à BBC Brasil o
ministro da Saúde, Ricardo Barros.
Com 18.240 médicos em 4.058 municípios (73% do total) e em 34 distritos
indígenas, o programa está sendo mantido no mesmo tamanho que o herdado
da administração petista.
Os profissionais são pagos pela União (bolsa-formação mensal de R$
11.520) para trabalhar em localidade onde os municípios não conseguem
atrair profissionais, seja porque são áreas distantes, consideradas
perigosas ou porque o salário que a prefeitura pode pagar não é
atrativo.
Apesar do seu sucesso, não há previsão orçamentária para ampliação,
embora o ministério acredite que os novos prefeitos eleitos neste ano
possam apresentar novas demandas.
Na semana passada, Barros anunciou medidas para tentar estimular o
aumento da participação de brasileiros no programa. Hoje, dois terços
dos profissionais do Mais Médicos são cubanos, contratados por meio de
um convênio com o governo de Cuba. Outros 29% são médicos com diploma
brasileiro e 8,4% com diploma de outros países (intercambistas).
Todas as vagas foram primeiro oferecidas para médicos daqui e apenas
depois preenchidas por estrangeiros. Mas quando essas posições ficavam
vagas novamente, por exemplo por desistência do médico de fora, ela era
automaticamente preenchida por outro estrangeiro.
Agora, o governo aproveitou que parte dos cubanos está deixando o País,
porque seu contrato de três anos se encerrou, para rastrear mil vagas em
postos potencialmente mais atrativos para oferecer mais uma vez aos
brasileiros. São vagas nas capitais dos Estados ou nas áreas
metropolitanas, de todas regiões do País.
Questionado sobre porque os brasileiros aceitariam essas vagas agora,
Barros disse que se trata de "um novo momento", já que mais
profissionais se formaram e entraram no mercado nos últimos anos.
A meta do Ministério da Saúde é realizar 4.000 trocas de médicos
estrangeiros por brasileiros em três anos. A intenção agora é abrir
editais com oferta de vagas para brasileiros a cada três meses, e dar
prazo de 15 dias para eventuais trocas de postos dentro do programa,
entre médicos brasileiros.
No momento e ao longo dos próximos meses será realizada a troca de
milhares de médicos cubanos, já que o governo de Cuba não permite que
esses profissionais fiquem mais de três anos no Brasil (exceções foram
abertas para aqueles que formaram família aqui).
A previsão é que a troca deixe as cidades sem médicos por cerca de 40
dias. Segundo Barros, isso é inerente ao sistema do programa, pois Cuba
só envia novos médicos quando os que estão no Brasil retornam.
"Esse programa vai continuar até que tenhamos médicos suficientes para
ocupar os postos aqui no Brasil. Os municípios não abrem mão", disse à
BBC Brasil o presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais
de Saúde, Mauro Junqueira.
Prouni e Fies
O governo Temer também está dando continuidade aos principais programas
petista para acesso de estudantes de baixa renda às instituições
privadas de ensino superior, mas o Fies (Financiamento Estudantil)
apresentou problemas nos primeiros meses da nova administração devido a
atraso nos repasses para cobrir custos administrativos dos bancos que
operam os empréstimos para os alunos.
Segundo o Ministério da Educação, esse atraso foi culpa da administração
anterior, que não deixou recursos suficientes para execução do
programa. Por isso, foi solicitada ao Congresso em agosto, e aprovada em
outubro, a liberação de R$ 700 milhões extras. Na semana passada,
também foi aprovado que parte do custo administrativo dos bancos seja
repassada às universidades, o que deve gerar economia anual de R$ 400
milhões ao governo.
O Fies oferece aos alunos empréstimos subsidiados e com condições
especiais, como prazo de carência após a formatura para início do
pagamento. A previsão é que os recursos destinados pelo governo para
esses empréstimos subam de R$ 18,7 bilhões neste ano para R$ 21 bilhões
em 2017, conforme a proposta de orçamento enviada ao Congresso.
Segundo a ABMES (Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino
Superior), o atraso na liberação dos recursos "estava impedindo a
renovação de cerca de 1,8 milhão de contratos dos alunos do programa,
deixando os estudantes em situação irregular, com risco de não poderem
frequentar as aulas a partir do primeiro semestre de 2017".
Ainda segundo a associação, "os alunos continuaram a frequentar as
aulas, mas aproximadamente 1.400 instituições de ensino superior
particulares ficaram sem o repasse por quatro meses", atraso que somaram
"mais de R$ 6 bilhões".
Outro programa que está sendo mantido é o Prouni (Programa Universidade
para Todos). Ele permite que as universidades deem bolsas de 50% e 100%
aos alunos em troca de descontos em impostos.
Segundo dados do Ministério da Educação, o número de novas bolsas
ofertadas teve pequeno aumento no segundo semestre de 2016 (125,5 mil)
em comparação ao mesmo período de 2015 (116 mil), no entanto, a alta foi
puxada pelo crescimento das bolsas parciais (de 47.033 para 68.437),
enquanto as bolsas integrais, ou seja, que cobrem toda a mensalidade,
caíram (de 68.971 para 57.141).
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Fonte: http://noticias.r7.com/brasil/o-que-mudou-com-temer-nos-programas-sociais-como-o-bolsa-familia-17112016