Recebi há alguns dias, uma cópia de um trecho de um livro que foi feito no ano de 1959, onde se falava de Inhambupe nessa época, o livro tem o titulo "Uma experiência Pioneira", no qual foi um relatório da Universidade de New York em conjunto com a Universidade da Bahia, onde Gordon L. Burgett da Universidade de Illionois esteve em Inhambupe a convite de Seu Antenor, veja abaixo o que o norte americano falou sobre nossa cidade naquele ano.
Não
verei mais Inhambupe. Este velho ônibus – único da cidade – sairá de noite e
chegará, depois duma hora tortuosa, em Alagoinhas de dia, e daí vinte e seis
calados passageiros entrarão no trem elétrico para a Bahia. Vinte são
estudantes.
Bahia –
Inhambupe. Outros mundos. Lembro-me bem desta cidade. Cheguei há três dias para
visitar a família dum bom amigo. Cheguei sem ideia formulada da cidade.
São
coisas menos importante que me lembro. Ali, em frente a este ônibus e escondida
pela escuridão, fica a igreja. Está no Centro da cidade... velha, grande, azul
por dentro e pardacente fora. Lá o padre fez um casamento ontem, sem muita
gente ou muita importância, e quando a cerimônia acabou, o casal voltou para
casa.
A feira
acabou há três dias. Uma feira duma cidade cabocla, do interior da Bahia.
Pretas velhas sentadas na rua de pedra, vendendo frutas; um caboclo – alto e
magro – com fumo cru para trocar... uma menina de saltos altos e todos os
descalços virando-se para ver... três ciganos tentando vender duas cabras
mal-alimentadas... um barbeiro ambulante dando estalos com a tesoura no ar... e
assim, até à noite. A cidade espera a feira bi-semanal para momentaneamente
matar o fastio.
Falta
alguma coisa: a prefeitura. Tinha anos, muitos anos, muitos anos e ficou sem
futuro nem mobília. Passando perto, vemos a “polícia” – uma criança de três
anos, nua com o chapéu policial caindo sobre os olhos. A pouca distância três
pretos prisioneiros sentando-se nas duas grandes janelas barradas do Xadres. Um
cantando as mesmas quatro notas; os dois outros conversando com as pessoas da
rua.
Chegou
a noite, de repente. Voltado no escuro às 5:40, ficamos batendo um papo até às
seis, a hora mágica quando a Companhia Elétrica de Inhambupe e Paulo Afonso
acendem a luz.
A sorveteria
começou a fazer o sorvete para o próximo dia, porém com pressa. A energia se
apaga às onze! O cinema ligou a máquina para uma prova, rádios começaram a
tocar, e um velho experimentou seu novo aparelho elétrico de barbear...
Também
o jornal, rádio comum, e o coração da cidade começaram com a energia. “You,
You, You”, as notícias, e o hino nacional – as quatro horas do alto-falante
começaram. Muita propaganda e poucas notícias: “americano visitando Inhambupe;
enchente em Senhor do Bomfim; não haverá aula de geografia amanhã. Etc.”
Com o
filme começando às oito, fomos para o esporte da cidade – passeio. É verdade
que todos vão a Praça uma vez cada noite, isto é, todos os que podem andar ou
respirar. Geralmente os casais se sentam, os rapazes muitas vezes andam numa
direção e as moças na direção contrária. As vezes andam juntos. E quando Fulano
segura a mão de Maria, todo mundo sabe, e comenta.
O
filme. Nem posso lembrar-me agora, só dois dias depois. Um abacaxi nacional.
Com “O Grande Otelo”. O Cinema encheu-se de crianças. É uma garagem de um homem
que vendeu o carro ou lhe sobreviveu. A tela, dois lençóis costurado; a maioria
trouxe cadeiras consigo.
A porta
fechou. Escuridão. “O HOMEM MORCEGO, SÉRIE 18”... uma gritaria que abafou tudo,
até o alto-falante, seguido por silêncio infantil. “Morcego”, o herói de
televisão em outros países, mais uma vez salvou uma porção de damas (vestidas à
moda de 1939), protegeu Robin, defendeu seu país contra espiões da “Terceira
Força”, e resolveu tudo exceto o crime, deixando isso – como promessa – para a
próxima série! Trailer. As crianças saíram para brincar na rua, mas os
“veteranos” ficaram. Silêncio reinou durante os oitenta minutos do abacaxi. E
nem uma queixa depois!
Logo
depois voltamos para casa e dormimos. Poucos minutos depois a luz se apagou, e
a noite surgiu em Inhambupe, uma noite tão escura e tão quieta que mesmo os
fantasmas lá devem sentir-se bem sozinhos...
****
- Quer
ver nossa Cachoeira?
-
Quero. Está perto?
- Pouca
distância. Vamos depois do café...
-
Ótimo, vamos...
- E
fomos. E fomos, e andamos, e andamos... acompanhado por nosso amigo, Senhor
Sol. Saímos da cidade cedo. Da Praça passamos à Igreja e uma pequena fábrica de
cachaça e vinagre, atravessamos a parte mais pobre, e saímos pela única rua,
aquela ligação com a “civilização”, com Alagoinhas. Passamos favelas, um
terreiro de candomblé, e campo.
O Sol
queimava. O fumo dominava a paisagem, só perdendo seu trono para as palmeiras.
Ruminando, prestando pouca atenção, o gado continuava sua vida pacifica, e
cuta.
--
Pouco mais e estamos lá...
João
sugeriu que nós parássemos para tomar água. Paramos. A preta riu, quase com
vergonha. Ela chamou João de doutor!... hum, estudante “doutor”. Voltando para
o único quarto da cabana, ela apareceu de novo com os três copos da casa e água
numa cabaça decorada. Bebemos e agradecemos. E ela nos agradeceu pela visita!
A senda
diminuía; o sol queimava. Andamos e conversamos, e para esquecer ou enganar,
cantamos.
-
Estamos entrando na fazenda e dentro em pouco tempo estaremos lá.
A
diplomacia falou em vez do cansaço. – Está bom. Estou gostando, João. É muito
interessante, não é? (Graças a Deus que as palavras saem da boca em vez dos
pés!)
Saltamos
uma porteira grande. Aproximamos-nos da estancia, um cão – sem a típica
hospitalidade brasileira – espiou-nos e acercou-se-nos, latindo entre dentes
fechados. Corremos como o diabo, saltando a porteira. Ficamos em cima, o
cachorro em baixo. Só ele “falou”.
- Não
tenham medo. Venham, venham cá, ele não morde – Alto, queimado, um vaqueiro nos
convidou a entrar na fazenda. Entramos devagarzinho, esperando que o cachorro
ouvisse o homem.
- João,
como vai? Está passeando?
João
explicou e apresentou todos. Entramos em casa e ele mandou a mulher trazer
água. Procurou cadeiras. Sentamos todos. A casa estava quase vazia: uma mesa,
folhinha, couro para a sela, e uma Bíblia, aberta na mesa. Nós o interrompemos.
A esposa troxe água, como sempre, nos melhores copos, e com desculpas para o
“doutor” e seus amigos! Ele falou, com palavras bem escolhidas, um homem triste
e quixotesco de aparência.
Fomos
embora, com a ajuda daquele maldito cachorro, ainda “palestrando”.
(Falando
misteriosamente, João me confiou que aquele homem era protestante, e que lia a
Bíblia!)
- Olhe
lá, - ele disse mais tarde, - uma árvore que nós cortamos e usamos para Natal.
Se chama “Barba de Bruxa”. Não parece?
Parecia.
Nós Chamamos isto “weeping willow”.
Descemos
uma ladeira. Saltamos um riacho. A vegetação de repente cresceu e cobriu tudo –
tudo verde e tudo mole. Entramos no mato.
- Pouca
distância. Espero que você goste...
Esperei
também. Ele dissera que a cachoeira tinha bastante altura e força. Deve ser
pelo o menos interessante.
Tudo se
tornou mais verde, mais escuro, mais mole – e, pensei eu, sem dúvida mais
venenoso. Lama! Tiramos os sapatos!
-
Chegamos!
Puxa!
Aquela enorme cachoeira tinha uma altura de dois metros!
- Ó
João, vocês não tem medo de nadar aqui?
Todos sorriram
felizes. – Tire a roupa, vamos mostrar...
Tirei.
Entramos na água, água azul e fresca. Senti-me
tão bem, molhei a cabeça, deixei o rosto na água, atirei água nas
costas... tão bom depois daquele sol. Brincamos. Atiramos água e jogamos os
jovens na água profunda. Estacionei-me em baixo da cachoeira, deixando a água
cair sobre os ombros e correr no cabelo. Fiquei tão feliz neste conforto
completo e merecido.
O verde
cobria as orlas do riacho, com as pedras vermelhas formando o leito. O Senhor
Sol, inimigo, repentino, espreitava entre os ramos das árvores gigantesca. As
aves cantavam o bosque zunia, e a água, fresca e cintilante, caía sobre os
ombros e partia o cabelo.
Saímos
cedo demais. Cantamos, brincamos, descansamos muito. A preta nos esperou com
água, e mais uma vez nos agradeceu a visita. Vimos a cidade de longe – limpa e
branca contra o fundo verde e vermelho, com a Igreja brilhante e nova e sua
vizinhança de casas todas novas pintadas.
Voltamos
para Alagoinhas, para a Bahia, e eu – muito mais tarde – para os Estados
Unidos.
Lembro-me
agora desta cidade aqui mesmo, banhado pela escuridão da noite preta e muda...
daquela cachoeira tão refrescante e tão
alta, da simplicidade e felicidade daquele povo.
Gostei
de Inhambupe. Que paraíso seria misturar as qualidade dela com o conforto dos
Estados Unidos. Mas estou sonhando. A vida não é assim".