
O ganho de renda da população nos últimos anos e a tão falada ascensão
da classe C jogou luz sobre o modelo de estratificação social no Brasil.
Em uma década, quase 30 milhões de pessoas foram incluídos num mesmo
caldeirão chamado “classe média”. Em uma tentativa de se corrigir
distorções criadas pela atual classificação utilizada pela Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), os professores
Wagner A. Kamakura (Rice University) e José Afonso Mazzon (FEA-USP)
formularam um novo modelo.
A nova proposta, que será oficialmente
adotada pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep) a
partir de janeiro de 2014, aumenta o número de brasileiros no grupo
considerado Pobre e Extremamente Pobre, parcela da população chamada
atualmente de classe E. Há um salto de 13,94 milhões de brasileiros
(7,3%) para 29,6 milhões (15,5%) no estrato 7, enquanto a atual classe D
recua de 62,6 milhões de pessoas (32,9%) para 42,9 milhões (22,5%). O
critério da Abep é usado por empresas e agências de publicidade para
formular suas estratégias, além de basear estudos de instituições
acadêmicas.
- A primeira vantagem é a evolução teórica do modelo,
com material mais preciso e robusto, que utiliza, pela primeira vez,
uma base de dados nacional (a POF, do IBGE). – afirma Luis Pilli, líder
do comitê Critério Brasil da Abep. – O modelo é muito mais refinado e
portanto mostra certos aspectos com mais nitidez, como o estrato 7,
mesmo assim o dado não surpreende. Quem estuda pobreza já mensura em
cerca de 15% os lares brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza.
Na
outra ponta, no critério atual, as classes mais ricas (A1 e A2)
representam apenas 1,8% da população brasileira e 8,7% do total dos
gastos das famílias brasileiras. Pelo novo critério, o estrato mais rico
(estrato 1) fica maior: com 2,8% dos brasileiros e 15,6% do total de
gastos dos domicílios brasileiros. Entre as duas, a classe média, no
critério atual, representa 58% da população (quase 110 milhões de
pessoas). No novo critério, este grupo tem leve recuo, para 55,9% dos
brasileiros (perto de 106 milhões).
Para desenvolver o novo
modelo de estratificação, retratado com detalhes no livro
“Estratificação Socioeconômica e Consumo no Brasil”, a ser lançado no
dia 15 de agosto em São Paulo, os professores se valeram do conceito
teórico da “renda permanente”. Segundo eles, a “renda permanente” é mais
importante do que a “renda corrente” — que é flutuante —, porque a
população tenta manter o mesmo padrão de consumo ao longo do tempo,
mesmo que temporariamente sofra mudança drástica na renda corrente.
Neste cenário, passa a utilizar a poupança, créditos ou outros
investimentos para manter o mesmo padrão. Na atual classificação,
utilizada pela SAE, o critério é o da “renda corrente”.
Outra
mudança é a diferenciação das classes sociais no território brasileiro. É
ajustado pela composição familiar (número de adultos e de
crianças/adolescentes) e pela geografia (região geográfica e localização
do domicílio). Vale dizer, o estrato socioeconômico pode ser diferente
em função da localização do domicílio (geografia) e da quantidade de
pessoas residentes no domicílio (composição familiar).
— Este
sistema é inovador. Nenhum critério oficial de classificação
socioeconômica no mundo utiliza região e local de residência (chamadas
de covariáveis) e nem faz a correção por composição familiar. Uma
família com renda de R$ 2.000 em São Paulo terá grandes desafios para se
sustentar, enquanto este valor no interior da Amazônia já dá certo
conforto — afirma Mazzon.
Ao todo, são consideradas 35 variáveis:
de natureza geográfica, demográfica, cultural, além da aquisição de
bens, itens e acesso a serviços essenciais de conforto doméstico e da
rede pública. Os dados da Pesquisa Orçamento Familiar (POF) também foram
utilizados no projeto.
No modelo atual, há uma grande dispersão
quando o quesito analisado dentro da mesma classe social é a renda. No
topo da pirâmide brasileira (A1), cuja renda média é de R$ 12 mil, há
famílias com renda total de R$ 9.000 ao mês até quem recebe mais de R$ 1
milhão. Ressalva importante: quando um pesquisador pergunta a renda, é
apenas para fins estatísticos. Na realidade, governos, empresas e outras
instituições levam muito mais em consideração a quantidade de bens,
grau de instrução e acesso a serviços para classificar um indivíduo em
determinado estrato social pois conseguem mensurar indiretamente se o
entrevistado declarou a renda de forma correta.
— Não tem muita
saída quando se analisa do ponto de vista de renda. Estas distorções vão
ocorrer. É por isso que a nova classe média, por exemplo, está
classificada como classe média, mas sua renda efetiva é muito baixa –
analisa Fernando de Holanda Barbosa Filho, professor de economia da
Fundação Getulio Vargas (FGV).
— Qualquer estudo que proponha
diminuir distorções entre a população é válido — afirma Waldir Quadros,
professor do Instituto de Economia da Unicamp e especialista em
estrutura social. — Quando a gente faz uma regressão de qualquer
variável da POF, Pnad e Censo, o resultado sempre estará relacionado à
renda. Incluir covariáveis como região, cultura e religião pode ser útil
para analisar cenários e extrair outros resultados, que poderão, por
exemplo, ser usados por publicitários.
O sistema foi premiado
pelo Marketing Science Institute como o melhor paper da edição especial
sobre “Marketing em Mercados Emergentes”, durante a 42ª reunião da
Associação Europeia de Marketing (EMAC), em junho, em Istambul
(Turquia). Foi premiado por uma entidade de marketing porque, além de
identificar novos estratos socioeconômicos, o material analisa o
comportamento do consumidor em cada estrato, em termos de consumo e
prioridades de consumo.
Fonte: http://camacarinoticias.com.br/leitura.php?id=224389