O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia nesta terça-feira uma visita de dois dias a Moçambique, a última a um país africano durante seus oito anos de governo.
A programação do presidente em Maputo visa realçar a agenda positiva que o país tem buscado no continente africano sob Lula.
Na manhã desta terça-feira, o presidente concedeu uma aula magna na Universidade Pedagógica de Moçambique, a primeira instituição estrangeira a fazer parte da Universidade Aberta do Brasil, que capacita professores por meio do ensino à distância.
Na quarta-feira, Lula visita as instalações do que será a primeira fábrica de antirretrovirais financiada com dinheiro público em toda a África, instalada com recursos e treinamento brasileiros em cooperação com Moçambique.
Em outras iniciativas, Brasil e Moçambique buscam desenvolver a capacidade agrícola da savana moçambicana através do ProSavana, um programa capitaneado pela Embrapa que, se der certo, pode virar um modelo a ser exportado para outras partes da África.
Oito anos
Após oito anos de uma ativa política de Lula para o continente, se são poucos os sinais de que haverá mudança na linha de atuação a ser seguida por Dilma Rousseff em relação à África, são claras as expectativas para saber qual será a ênfase dada ao continente no próximo governo.
A vinda de Dilma foi noticiada com certa proeminência em Moçambique. E houve um certo desapontamento quando a presidente eleita anunciou que pularia a sua escala na África e encontraria o presidente Lula na reunião do G20, em Seul.
“A expectativa era grande. Mas também era pedir demais que a presidente eleita viesse apenas para ser apresentada”, disse à BBC o ex-diretor do Instituto Superior de Relações Internacionais e especialista na relação Moçambique-Brasil, Jamisse Taimo.
“O presidente Lula está na fase de se despedir. A Dilma está na fase de começar os trabalhos.”
O embaixador do Brasil em Moçambique, Antonio Souza e Silva, afirmou à BBC Brasil que, apesar dos questionamentos, a linha geral da política externa brasileira para a África deve ser mantida no governo Dilma.
“A política externa é uma política de Estado. Os governos podem colocar um pouco mais de ênfase aqui ou ali, privilegiar um aspecto ou outro. Mas as linhas gerais vão continuar”, disse.
“Desde os anos 1960 tivemos três ofensivas em direção à África, mas naquela época o Brasil não tinha a capacidade financeira que tem hoje, nem empresas com a mesma capacidade de internacionalização. A presença internacional do Brasil vai continuar crescendo e não apenas na África; na América Latina, no Caribe, em todo o mundo.”
Diplomacia generosa
Esta é a terceira vez que Lula vem a Maputo. Lula diz que já esteve em 27 países africanos, em 12 ocasiões diferentes, contando com esta.
Moçambique, o país que mais recebe ajuda técnica do Brasil – em recursos totais, só fica atrás do Haiti – é o melhor exemplo da chamada “diplomacia da generosidade” que tem elevado o perfil do Brasil no continente africano.
Em um estudo realizado a pedido do governo moçambicano, a consultoria KPMG elogiou este modelo de cooperação que o Brasil tem desenvolvido aqui.
Diferente dos chamados doadores tradicionais, acostumados a impôr condições muitas vezes políticas aos países receptores de ajuda, o Brasil procura estabelecer uma relação de mais igualdade com os países nos quais atua, diz o relatório.
“Essa diferença na relação doador-receptor tem um grande impacto, porque o governo que recebe se sente menos defensivo, tem mais abertura para pedir coisas a um país como o Brasil do que aos países tradicionalmente doadores”, disse à BBC Brasil a consultura-sênior da KPMG Caroline Ennis.
Menor escala
Mas há ressalvas. Em oito anos de governo Lula, não faltaram momentos em que esta falta de condicionalidades levou o país a cooperar com outras nações problemáticas, sobretudo do ponto de vista democrático.
O Irã é apenas um exemplo e, na África, a visita à Guiné Equatorial em julho foi a mais criticada.
O governo diz que democracia se aprende e que a cooperação com um país democrático acaba contaminando o sistema político do país receptor.
Para a consultora da KPMG, este raciocínio tem validez. “De certa forma, é preciso haver desenvolvimento além de democratização. Não se pode obrigar os países a ter eleições e dizer que por isso ele é democrático. Os doadores tradicionais cobram as estuturas e apenas isso também não é suficiente”, avalia.
É preciso ainda fazer uma diferença em termos de escala. Enquanto a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) tem um orçamento que hoje está em cerca de R$ 52 milhões, isso representa apenas um sexto do que a agência americana de ajuda, a USAID, destina a Moçambique a cada ano.
O total de investimentos previstos na fábrica de medicamentos em Moçambique é de U$ 31 milhões, dos quais US$ 13 milhões correspondem à compra de maquinário que o Brasil já bancou.
Não há estatísticas de quanto custaria o ProSavana, mas, nesta fase de pesquisa e início de implementação, poucos apostam que supere os US$ 10 milhões.
“É verdade que o Brasil não tem grandes recursos, mas a questão é menos o tamanho, e sim as vantagens da cooperação”, diz Caroline Ennis.
A cooperação técnica prestada pelo Brasil no continente beneficia hoje 34 nações. A maior parte dos projetos está nos campos da agricultura, saúde, educação e capacitação.
Fonte:http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/11/101109_mocambique_lula_terca_pu.shtml