O pequeno município mineiro de Baependi (400 km de Belo Horizonte) vai
ser palco neste sábado (4) da cerimônia preparada pela Igreja Católica
para oficializar a beatificação de Nhá Chica, a leiga Francisca Paula de
Jesus, primeira negra a ser declarada beata no Brasil.
O ritual de beatificação acontecerá no Santuário Nossa Senhora da
Conceição, onde estão hoje os restos mortais da candidata à santa.
Filha livre de uma ex-escrava, Nhá Chica nasceu em meados de 1810, em
Santo Antônio do Rio das Mortes, distrito de São João Del Rei (MG).
Mudou-se para Baependi aos oito anos, com o irmão, quatro anos mais
velho, e a mãe, que morreu quando ela tinha 10 anos, deixando-os
sozinhos.
Em Baependi, viveu uma vida de caridade, recebendo pessoas para dar
conselhos e ajudando os mais necessitados, o que lhe conferiu o título
de "mãe dos pobres".
Quando morreu, em 1895, Nhá Chica já tinha fama de santa, mas o reconhecimento oficial demorou a vir. A comissão em prol de sua beatificação só teve início quase 100 anos mais tarde, em 1989.
Antes de se tornar santo, o candidato é reconhecido como servo de Deus,
venerável e beato, com o reconhecimento de um milagre. O título de
santo só é concedido a quem tem dois milagres reconhecidos.
Nhá Chica passou a ser considerada pela Igreja Católica como serva de
Deus em 1991 e, no começo de 2012, foi reconhecida como venerável.
Há apenas dois santos no Brasil: Madre Paulina, que nasceu na Itália e
veio para o Brasil aos 10 anos, foi canonizada em 2002; e Frei Galvão,
que nasceu em Guaratinguetá (SP), se tornou o primeiro santo nascido no
Brasil em 2007.
Milagre em Caxambu
O milagre que permitiu o início do processo de Nhá Chica foi a cura de
um grave problema de nascença no coração da professora aposentada Ana
Lúcia Meirelles Leite, de Caxambu (MG).
Quando foi diagnosticada com o problema cardíaco, em 1995, Ana Lúcia
foi orientada por médicos de Varginha (MG), Belo Horizonte e São Paulo a
passar por uma cirurgia imediatamente. Ela então rezou e pediu a
intervenção de Nhá Chica. Logo depois, teve febre e não pôde ser
operada. Seis meses depois, quando decidiu remarcar a operação, novos
exames constataram que ela estava curada.
Em outubro de 2011, a pedido do Vaticano, uma comissão de
médicos validou a cura como milagre. O reconhecimento foi assinado em
junho de 2012 pelo então papa Bento 16.
Brasil tem 70 candidatos a santos
Mais de 70 pessoas têm boas chances de se tornarem santos no Brasil,
sendo que 30 delas se tornaram beatas coletivamente, por terem sido
brutalmente mortas durante uma missa no interior do Rio Grande do Norte,
em 1645.
O levantamento foi obtido junto ao Vaticano pela freira Célia Cadorin,
86, responsável pelo processo de beatificação de Madre Paulina e Frei
Galvão. A postuladora ou "advogada dos santos", hoje aposentada, que
pertence à Congregação das Irmãzinhas da Imaculada Conceição, fundada
por Madre Paulina em 1890, já viajou o Brasil todo atrás de milagres que
provassem a santidade de seus "clientes" e viveu na Itália durante 14
anos para pesquisar a vida deles.
"O postulador é um religioso do local onde a pessoa nasceu que é
indicado pela Igreja para defender o processo de canonização", explica
irmã Célia. "Ele é a alma de toda a causa. Se ele se empenha, a causa
anda", avalia ela.
Além de postuladora, irmã Célia é uma das miraculadas de Madre Paulina,
nome dado àquele que recebe um milagre. Quando tinha 13 anos, teve
complicações no pulso direito após sofrer uma queda no convento de Nova
Trento (SC). Depois de colocar no machucado um cravo tirado do caixão de
Madre Paulina por uma tia de irmã Célia, que era freira da mesma
congregação, seu pulso foi curado, desinchando em menos de 24 horas.
Etapas para a santidade
Em entrevista ao UOL, no convento onde também viveu
Madre Paulina quando morou em São Paulo, a religiosa explica o processo
que envolve a beatificação.
Segundo ela, uma causa começa a partir do momento em que uma pessoa
ganha fama de santa na região onde viveu e morreu. É o caso, por
exemplo, de Nhá Chica, cujo túmulo era frequentado por muitos devotos
antes mesmo de uma causa ser iniciada. "Então um bispo, um padre ou uma
associação verifica se há fundamentos para a abertura de uma causa e
entra com o pedido junto à Congregação para a Causa dos Santos, no
Vaticano, com uma descrição biográfica sobre a vida, as virtudes e a
fama de santidade", disse.
Feito isso, o Vaticano dá uma resposta negativa ou um nihil obstat,
que indica que "nada impede" que a causa seja iniciada, o que dá início
então à fase diocesana, quando um bispo diocesano local instala um
tribunal eclesiástico para investigar a vida do candidato a santo e
provar que ele merece o título.
Uma comissão histórica é formada para recolher documentos sobre a vida
da pessoa. "Nessa fase são ouvidos aqueles que conheceram, conviveram ou
ouviram falar dele para provar que tem fama de santidade", explicou
irmã Célia, que diz gostar de professoras aposentadas para fazer essa
parte do trabalho. Os documentos são classificados em religiosos,
referentes à família e ao trabalho, arquivos civis e escolares, entre
outros.
Na hora de dar os depoimentos, as testemunhas fazem um juramento de
dizer a verdade, inclusive se o candidato a santo tinha defeitos. "Tudo é
muito esmiuçado e muito sério. Não é faz de conta. É tudo científico,
tem que ser provado", disse.
Duas vias de todos os documentos são entregues pelo postulador à
Congregação dos Santos, no Vaticano, que, após análise, publica o
primeiro decreto de validade do processo, o que torna a pessoa uma serva
de Deus.
"Começa, então, a fase romana, mais longa e difícil", afirmou a
religiosa, quando os documentos passam por uma comissão de historiadores
do Vaticano, uma comissão de teólogos e uma comissão de bispos e
cardeais. "Por fim, é marcada uma audiência com o papa."
Para confirmar o milagre atribuído ao candidato, médicos sem ligação
com o Vaticano pedem exames e analisam documentos sobre o diagnóstico
(constatação da doença), o prognóstico (como a doença evoluiria), a
terapia recomendada e se ela precisou ser ou não seguida. Outra
comissão, a teológica, analisa os mesmos itens somados à invocação feita
para se alcançar a cura.
"Para ser considerada um milagre, a cura deve ser rápida, duradoura e
sem sequelas", lembra irmã Célia. "Se os médicos concluírem que a cura
não tem explicação científica nenhuma e se os teólogos constatarem que a
graça foi alcançada por intermédio do venerável, o papa publica um
terceiro decreto e ele passa a ser beato."
Quando um segundo relato de milagre passa por todo esse processo e é aprovado, o beato é finalmente canonizado e vira santo.
Anos atrás, o Vaticano exigia dois milagres para beatos e quatro para
santos. No entanto, isso mudou com o papa de João Paulo 2º, que chegou a
afirmar na época que "o Brasil precisa de muitos santos". Com as novas
regras, as chances dos candidatos brasileiros à canonização aumentaram.
"O que foi ótimo, pois quem faz um milagre faz dois", brinca irmã Célia.
Servo de Deus |
Título recebido logo que a causa é iniciada. A vida do servo de
Deus é minuciosamente investigada a fim de se comprovar sua fama de
santidade |
Venerável |
O candidato recebe o decreto de "virtudes heróicas" ou "martírio".
A vida continua sendo pesquisada para se encontrar milagres ou
comprovar que a morte foi santa |
Beato |
Se ao menos um milagre é comprovado pelo postulador e reconhecido pelo Vaticano, o venerável é beatificado. |
Santo |
Se dois milagres, ou mais, forem comprovados, o beato é finalmente canonizado e se torna um santo. |
Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/05/04/nha-chica-primeira-beata-negra-do-brasil-e-reconhecida-neste-sabado.htm