Como um pesadelo que ainda provoca calafrios e aflições e não se 
dissipa com raios da manhã, o golpe militar de 31 de março de 1964 — que
 completa 50 anos hoje — ainda está vivíssimo na memória do País como um
 período de tenebrosas violações da liberdade, dos direitos humanos que 
deixou milhares de mortos, desaparecidos e torturados e se prolongou por
 longos 21 anos, até 15 de março de 1985 com a posse do civil José 
Sarney e a instauração da Nova República.
 Um período de excessos que não se curvou até hoje a julgamento 
histórico de fato. Ainda que existam movimentos concretos de tentativa 
de apuração dos abusos, nada ainda aconteceu.
 Torturadores e militares com as mãos sujas de sangue refestelam-se no 
sofá da sala quem sabe livres das dores agudas da consciência. Mas é 
sempre importante lembrar que, apesar do combate desigual, os opositores
 do regime sequestraram diplomatas, assaltaram bancos, mataram e 
orquestraram guerrilhas armadas. O País, governado por uma vítima da 
tortura, não consegue acertar as contas com o seu passado.
 Nesses 50 anos dessa violenta ruptura institucional, não há 
absolutamente nada a comemorar. Não há vencedores, nem vencidos. Até 
porque alguns dos mais ilustres e impetuosos combatentes da ditadura – 
os supostos mocinhos deste filme de terror – estão presos numa cadeia em
 Brasília condenados pelo vil crime de corrupção.   
 Mas vamos aos fatos que fizeram os senhores de farda verde-oliva saírem
 dos quartéis para enterrar a democracia e a liberdade por duas décadas.
 A história, então, recua para 25 de agosto de 1961 quando um presidente
 populista, dado a se expressar em português castiço, renunciou ao 
mandato acuado pelo que disse serem “forças terríveis” que se levantaram
 contra ele.
 Jânio Quadros, diziam, queria voltar aclamado pelo povo, com poderes 
ampliados, o que jamais aconteceu. Seu vice, João Goulart, estava na 
China quando tudo aconteceu. A temível China comunista, o que só ajudava
 naquele instante a reforçar sua imagem de comunista. Justo ele, filho 
de um rico estancieiro, como se diz nos pampas de onde veio.
 O mundo vivia tempos maniqueístas, dominado pelo medo e dividido entre 
obsoletas ideologias capitalista e comunista. Era a Guerra Fria, em que a
 então União Soviética comunista e os Estados Unidos capitalistas 
duelavam num tabuleiro de xadrez (ou seria um paiol atômico) pela 
supremacia do planeta.
 E o que americanos mais temiam era que o Brasil se convertesse numa 
gigantesca Cuba continental e carregasse toda a América Latina numa 
aventura socialista.  Daí, o apoio integral ao golpe contra Jango.
 Os militares não se afeiçoavam a Jango desde sua atuação como ministro 
do Trabalho de Getúlio Vargas e, com a renúncia de Jânio, ensaiaram um 
primeiro golpe. Não deu certo, o Brasil viveu uma breve experiência 
parlamentarista e Jango recuperou seus poderes em janeiro de 1963. Quase
 um ano depois, em 1º de abril, deixava o poder rumo a um exílio sem 
volta. Ele não tinha aliados suficientes na caserna e nem os mais 
próximos se dispuseram a lutar contra tropas que marcharam de Minas 
Gerais para apeá-lo do poder.
 Como Jango queria, não se derramou uma gota de sangue sequer. Havia 
clamor popular contra o governo que apoiava reformas sociais, intenção 
que Jango — inflamado pelo incendiário cunhado e então governador do Rio
 Grande do Sul Leonel Brizola, deixara bem claro num barulhento comício 
na Central do Brasil, no Rio de Janeiro.
 No discurso, lançara propostas incômodas para uma já assustada classe 
média que respondeu com os comícios no Rio e em São Paulo batizados de 
Marcha da Família com Deus pela Liberdade, pateticamente reeditados há 
quinze dias.
 Com o País dividido, Jango lançou-se ao desafio final antes da derrota 
de 31 de março. Solidarizou-se com marinheiros e sargentos rebelados e, 
no último gesto de enfrentamento, reuniu-se com os sargentos no 
Automóvel Clube do Rio de Janeiro, num imperdoável — para os militares —
 apoio à insubordinação militar. No dia seguinte, o Exército se rebelou e
 Jango foi deposto.
 Cinco generais (e uma temporária junta militar) se revezaram no comando
 do País. Homens de espírito duro — alguns bem mais duros — que 
sufocaram com mão de ferro os contrários. O golpe dentro do golpe se deu
 quatro anos depois em meio a revoltas estudantis e com a luta armada 
surgindo.
 O general Arthur da Costa e Silva assinou em 13 de dezembro de 1968 o 
Ato Institucional nº5, o mais cruel dispositivo utilizado pela ditadura.
 O ato suprimiu os direitos políticos dos cidadãos por dez anos em caso 
de manifestação contra o regime e determinou que prisões poderiam ser 
feitas sem o respeito aos direitos legais. O Congresso permaneceu 
fechado por um ano.
 Pouco articulada e sem apoio da população, que desfrutava uma euforia 
do crescimento da economia, reajustada nos primeiros anos pelos 
militares, a oposição foi presa fácil e rapidamente sufocada. Mortos, 
torturados, desaparecidos e exilados só aumentavam. Intelectuais de peso foram obrigados a fugir e viver no exterior e quem
 ficou, sucumbiu. 50 anos depois tudo é história, ainda que existam 
feridas abertas, corpos enterrados em covas clandestinas e demônios na 
espreita. Enquanto isso, o País espera pela Copa do Mundo.
Fonte: R7 Noticias 











































