O mundo pode estar quase inteiramente voltado para tragédia causada pela pandemia, mas outros campos do conhecimento continuam a fazer progressos importantes que podem transformar como vivemos.
Com o avanço da pandemia do novo coronavírus, o mundo está quase inteiramente voltado para essa tragédia global que já causou, até esta sábado (02/05), mais de 239 mil mortes.
Mas isso não significa que o planeta parou, em especial, o mundo da ciência, que segue fazendo descobertas importantes em outras áreas.
Reunimos a seguir cinco descobertas fascinantes, das quais você talvez não tenha ouvido falar, mas que representam avanços importantes em diferentes campos do conhecimento científico desde dezembro.
1. A prova da existência de uma partícula que pode revolucionar a computação
Lembra-se do Grande Colisor de Hádrons, construído em Genebra, na Suíça? Agora imagine algo assim, mas do tamanho do diâmetro de um cabelo humano, projetado por um grupo de pesquisadores para fazer um experimento único, reportado pela revista Science.
"Nosso estudo prova pela primeira vez a existência de partículas chamadas anyons", diz um dos autores do estudo, o físico Manohar Kumar.
Por meio de uma experimento único, cientistas comprovaram a existência de partículas conhecidas como anyons
Foto: Manohar Kumar / BBC News Brasil
Anyons são um tipo de quasipartículas, que são partículas capazes de viajar em estado sólido cercadas por outras partículas que se arrastam à medida que se movem.
No nosso "mundo comum" em 3D, explica Kumar, há dois tipos de partículas: férmions e bósons. Mas os anyons pertencem ao mundo da física 2D, ou seja, seus ambientes são sistemas bidimensionais.
"Existem fenômenos onde as condições físicas literalmente fazem tudo acontecer em 2D. Os físicos costumam dizer que uma das dimensões congela. Assim, embora nosso espaço diário seja 3D, a física de certos fenômenos é realmente restrita ao universo 2D ", explica o blog científico Quantum Tales.
Na Finlândia, a Universidade de Aalto, na qual Kumar trabalha, destacou o trabalho dos cientistas por ser "o primeiro a medir diretamente as propriedades quânticas de anyons, que são consideradas partículas exóticas.
'Trabalhamos duro nos últimos anos para fazer esse experimento', diz o físico Manohar Kumar
Foto: David Mele / BBC News Brasil
Elaborados
teoricamente em 1977, "os anyons foram alvos de experimentos, mas a
verdadeira natureza quântica dessas partículas era desconhcida até agora",
diz a instituição.
Gwendal Féve, líder
do grupo de pesquisadores (do Laboratório de Física da Escola Normal Superior
de París), diz que "a prova definitiva da existência dos anyons é
demonstrar que se comportam como algo que está no meio do caminho entre um
férmion e um bóson, e é isso que conseguimos mostrar pla primeira vez com esse
experimento".
Os estudos sobre
essas partículas são um avanço importante para a física e para o
desenvolvimento de tecnologias futuras, como a computação quântica, que promete
revolucionar computadores usando a mecânica quântica para resolver problemas
milhões de vezes mais rápido do que as máquinas atuais.
2. Uma vacina
contra uma doença que mata dezenas de milhares todos os anos
Em 28 de fevereiro,
a Universidade de Navarra, na Espanha, anunciou que um de seus pesquisadores
havia desenvolvido uma vacina contra shigelose ou disenteria bacteriana, uma
infecção que causa diarreia, dor de estômago e febre e, nos casos mais graves,
leva à morte.
Em lugares onde o acesso à água limpa
é limitado, a disenteria bacteriana é um problema sério, especialmente para
crianças
Foto: Getty Images / BBC News Brasil
De acordo com o
Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em
inglês), há entre 80 e 165 milhões de casos em todo o mundo a cada ano e 600
mil óbitos.
"Shigelose é
um problema global de saúde pública para o qual uma vacina ainda não está
disponível, apesar do fato de a Organização Mundial de Saúde considerar uma
prioridade", disse Carlos Gamazo, diretor do Departamento de Microbiologia
da Universidade de Navarra.
A doença,
transmitida principalmente pelo consumo de água e alimentos contaminados, afeta
drasticamente as crianças em países em desenvolvimento.
"O maior benefício
seria alcançado com a introdução de uma vacina de baixo custo que requer apenas
uma dose única. O grupo de Yadira Pastor (cientista que liderou a investigação)
trabalha para obter essa vacina de administração única e 'sem agulhas', com os
níveis esperados de proteção ", afirma Gamazo.
A bioquímica Yadira Pastor está
desenvolvendo uma vacina para ajudar a combater a shigelose
Foto: Cortesía: Yadira Pastor / BBC
News Brasil
Segundo Pastor, o
projeto foi testado em camundongos "para verificar a eficácia e a
toxicidade deste produto, com resultados muito promissores".
Além disso,
"diferentes vias de administração foram estudadas para substituir a via
parenteral (intravenal)", explica a bioquímica. O objetivo é facilitar a
vacinação em massa e reduzir o uso de resíduos biológicos. Para isso, a
pesquisadora criou géis imunoestimulantes para administração via nariz ou
microadesivos, para a via intradérmica.
"Ambas as vias
tiveram resultados muito promissores em camundongos que, após serem vacinados
pelas duas vias, ficaram protegidos contra a infecção pela bactéria
shigella", diz Pastor.
Para tornar essa
vacina uma realidade, será preciso confirmar sua eficácia em outros animais e
só então será possível partir para testes de que ela é segura e funciona em
humanos, explicou a pesquisadora.

Pastor criou micro-adesivos para
aplicar a vacina
Foto: Yadira Pastor / BBC News Brasil
3. A vida selvagem
prospera na zona do acidentes nuclear de Fukushima
Em 11 de março de
2011, um violento tsunami sacudiu a costa leste do Japão e causou danos à usina
nuclear de Fukushima.
Grandes quantidades
de material radioativo foram liberadas no meio ambiente e causaram o pior
acidente nuclear desde o desastre de Chernobyl, em 1986. Mais de 100 mil
pessoas foram evacuadas.
Uma raposa vermelha olha para uma das
106 câmeras que foram colocadas para estudar uma grande área
Foto: Cortesía: James Beasley / BBC
News Brasil
Em janeiro, a
revista especializada Frontiers in Ecology and Environment publicou um estudo
mostrando como, apesar da contaminação radioativa, a vida selvagem voltou a
prosperar nessa área. Os cientistas descobriram populações abundantes de
animais nas áreas que foram atingidas.
Um dos líderes da
pesquisa, o biólogo James Beasley, explica que o estudo, realizado entre 2016 e
2017, coletou, com câmeras colocadas em 106 lugares, mais de 267 mil imagens de
20 espécies de animais selvagens.
Esta é, diz
Beasley, "a primeira avaliação em larga escala das comunidades de
mamíferos em Fukushima" e o primeiro estudo das populações de vida
silvestre na área levando em consideração a situação peculiar da baixa presença
humana.
Dois macacos em uma área de Fukushima
que foi atingida pelo acidente nuclear e permanece desabitada
Foto: James Beasley / BBC News Brasil
Ele afirma que
Chernobyl e Fukushima foram enormes tragédias para a humanidade, que, agora,
'representam importantes laboratórios em que estudos podem ser realizados para
entender os efeitos da exposição crônica à radiação em plantas e animais".
O especialista
acredita que "o fato de a vida selvagem estar se saindo bem nos
territórios evacuados em torno de Chernobyl e Fukushima é um testemunho da
resistência da vida selvagem quando não há pressão humana direta, como a perda
e fragmentação de seu habitat".
Ação humana pode ser pior do que
radiação para a vida selvagem, diz pesquisador
Foto: James Beasley / BBC News Brasil
E é um sinal de que
as zonas de exclusão podem abrigar "populações abundantes e
autossuficientes" de várias espécies. "Mas é importante observar que
isso não sugere que a radiação seja boa para a vida selvagem, sabemos que altos
níveis de exposição aguda à radiação podem causar danos genéticos", diz o
cientista.
"Mas ela
mostra que os efeitos das atividades humanas cotidianas são piores para muitas
espécies da vida selvagem do que quaisquer efeitos potenciais da
radiação."
Beasley indica que
ainda há muito a ser conhecido sobre o impacto dos acidentes nucleares de
Chernobyl e Fukushima nos animais, incluindo por meio de análises individuais.
Este serau japonês é uma das 20
espécies que Beasley e sua equipe conseguiram detectar na área
Foto: James Beasley / BBC News Brasil
E ele destaca que,
"embora a vida selvagem pareça se beneficiar da criação dessas novas
áreas, muita gente foi afetada" pelos dois desastres.
Apesar disso, ele
se sente um pouco otimista em relação a um desafio global: "Ainda há tempo
para conservar muitos animais ameaçados e em perigo de extinção em todo o
mundo, desde que possamos lhes proporcionar um habitat suficiente".
4. Os segredos
genéticos da massa cinzenta
Em março, a Universidade da
Carolina do Norte, nos EUA, anunciou que "havia sido produzido o primeiro
mapa genético do córtex cerebral, no qual foram identificadas mais de 300
variantes genéticas que influenciam a estrutura cortical" e, em alguns
casos, distúrbios psiquiátricos e neurológicos.
Mais de 360 cientistas de vários
países contribuíram para o estudo de 'uma parte muito importante do cérebro'
Foto: Getty Images / BBC News Brasil
O córtex é a camada
de massa cinzenta que recobre o cérebro; é essencial para o pensamento,
processamento de informações, memória e atenção.
Um dos coautores da
pesquisa, Jason Stein, professor do Departamento de Genética e Neurociência,
explica que o estudo identificou como as diferenças genéticas das pessoas
afetam a estrutura de seus cérebros.
"Focamos
especificamente no córtex, que, em comparação com o de outros primatas, se
expande acentuadamente nos seres humanos. Acredita-se que esse prolongamento
leve a um melhor desenvolvimento cognitivo e comportamento social. Portanto, é
uma parte muito importante do cérebro", diz Stein.
Para analisar a
estrutura do cérebro, os pesquisadores estudaram exames de ressonância
magnética do cérebro de 50 mil pessoas e se concentraram no tamanho e espessura
da superfície. Além disso, recolheram amostras de DNA dos participantes para
entender suas diferenças genéticas..
"Identificamos
centenas de lugares em que variações do genoma têm impacto na estrutura
cortical, no tamanho e na espessura do córtex. Curiosamente, essas diferenças
foram encontradas em locais do genoma ativos durante o desenvolvimento inicial
do cérebro, antes do nascimento, em um tipo de célula chamada célula
progenitora neural", afirma Stein.
"Essas células
produzem quase todos os neurônios do córtex, mas só estão presentes antes do
nascimento. Isso significa que as variantes genéticas influenciam as células
progenitoras antes do nascimento para causar alterações no número de células
produzidas e no tamanho do cérebro após o nascimento. Isso é realmente
interessante, porque significa que a genética pode mudar nossa estrutura
cerebral adulta."
Essas descobertas
são importantes porque podem ser usadas em diferentes campos da neurociência e
ajudar a determinar, por exemplo, quais variantes genéticas afetam a estrutura
do cérebro e a tornam mais suscetível ao desenvolvimento de certos tipos de
distúrbios, como esquizofrenia, transtorno bipolar ou depressão.
A pesquisa foi
realizada graças ao trabalho de mais de 360 cientistas de vários centros em
todo o mundo. Stein esclarece que não é a primeira vez que se busca identificar
variantes genéticas que afetam a estrutura do cérebro. Mas "é a maior e
mais abrangente análise do impacto das variantes genéticas na estrutura
cortical produzida até hoje".
5. Como o sistema
nervoso detecta salmonellas e nos defende
Em dezembro, a
Faculdade de Medicina da Universidade Harvard informou que um estudo em ratos
mostrou como o sistema nervoso não apenas detecta salmonella, mas "defendeu
ativamente o corpo" contra a ameaça.
Geralmente, a salmonela é encontrada
no intestino de animais e pessoas e é liberada pelas fezes
Foto: Getty Images / BBC News Brasil
Segundo a instituição
americana, a pesquisa, publicada na revista especializada Cell, descobriu que
os nervos no intestino dos ratos percebiam a presença da bactéria - a principal
causa de intoxicação alimentar no mundo - e formavam "duas linhas de
defesa".
"Nossos resultados
mostram que o sistema nervoso não é apenas um sistema simples de detecção e
alerta. Descobrimos que as células nervosas no intestino vão além. Elas regulam
a imunidade intestinal, mantêm a homeostase intestinal e fornecem proteção
ativa contra infecções", disse o líder do estudo, Isaac Chiu.
O trabalho aponta
que o intestino delgado possui neurônios sensíveis à dor, que também estão
localizados sob células chamadas placas de Peyer. Os experimentos revelaram que
esses neurônios são ativados na presença de salmonella, que, segundo os
pesquisadores, é a causa de 25% das doenças bacterianas diarreicas no mundo.
A infecção
geralmente ocorre quando você come comida ou água contaminada com a bactéria.
"Uma vez ativados, os nervos usam duas táticas defensivas para impedir que
as bactérias infectem o intestino e se espalhem pelo resto do corpo", diz
a universidade.
A primeira tática é
regular os acessos celulares através dos quais os micro-organismos entram e
saem do intestino. E a segunda é aumentar o número de micróbios intestinais
protetores, que fazem parte do microbioma do intestino delgado.
"Está ficando
cada vez mais claro que o sistema nervoso interage diretamente com organismos
infecciosos de diferentes maneiras para influenciar a imunidade", disse o
professor de imunologia, no artigo da Universidade Harvard.
Segundo uma das
autoras do estudo, Nicole Lai, os resultados demonstram uma comunicação
importante entre o sistema nervoso e o sistema imunológico: "É claramente
uma via de mão dupla com os dois sistemas enviando mensagens e influenciando-se
mutuamente para regular as respostas de proteção durante a infecção".
E a razão é que o
intestino geralmente é chamado de segundo cérebro. De fato, possui mais
neurônios do que a coluna vertebral e age independentemente do sistema nervoso
central.
Fonte: https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/5-boas-noticias-da-ciencia-desde-o-inicio-da-pandemia-de-coronavirus-e-que-nao-tem-a-ver-com-a-covid-19,2e7e1c61a0ec21811e35e231277406946h00blif.html