O conclave que começou nesta quarta-feira (7) tem seu próprio "código eleitoral". Trata-se de um documento chamado "constituição apostólica", que, apesar do nome, nada tem a ver com as Constituições dos Estados modernos. É um ato promulgado pelo papa.
A constituição apostólica que rege os conclaves se chama "Universi Dominici Gregis" -latim para "todo o rebanho do Senhor". Foi editada por João Paulo 2º em 1996 com a intenção de esclarecer dúvidas sobre o processo de escolha dos pontífices. Foi usada nos conclaves de 2005, que elegeu o sucessor do próprio João Paulo 2º, e de 2013, após a renúncia de Bento 16.
A "Universi Dominici Gregis" tem 92 seções, equivalentes aos artigos de uma lei. Praticamente todas consolidam "as já milenares práticas da Igreja", previstas no direito canônico, como esclarece João Paulo 2º no texto. Aborda todos os procedimentos a serem adotados desde a vacância (por morte ou renúncia do papa) até a eleição do sucessor.
Uma importante inovação da constituição apostólica foi a determinação de que, a partir do 33º escrutínio (ou 34º, caso tenha havido votação no primeiro dia do conclave), apenas os dois nomes mais votados possam concorrer, de forma semelhante ao segundo turno de uma eleição presidencial.
João Paulo 2º autorizou que, nesse caso, bastaria a maioria simples para eleger o papa. Em 2013, porém, Bento 16 emendou essa seção do texto. Manteve o mata-mata entre os dois primeiros colocados, mas restabeleceu a necessidade de dois terços dos votos, a mesma dos demais escrutínios. Essa mudança recriou a possibilidade de um impasse, caso os cardeais não cheguem a um consenso.
Redigido em 1996, o documento leva em conta a tecnologia da época. Veda, por exemplo, que os cardeais mantenham conversas "telefônicas ou por rádio" com pessoas externas aos edifícios reservados ao conclave. Exceções, porém, podem ser abertas. Os cardeais podem se comunicar com o mundo exterior, em caso de "comprovada e urgente necessidade", reconhecida por uma congregação formada pelo cardinal camerlengo e outros três cardecardais eleitores, previamente sorteados.
O texto não faz referência explícita à internet, que engatinhava 29 anos atrás. A seção 57 proíbe os cardeais de "escutar transmissões radiofônicas ou ver transmissões televisivas".
Ao contrário do que se imagina, existem situações em que um eleitor pode sair do conclave e voltar. Caso um problema de saúde, "ou alguma razão grave" reconhecida pela maioria dos eleitores, obrigue um cardeal a sair da Cidade do Vaticano, ele tem o direito de retornar. Durante sua ausência, as votações continuam sem ele.
Entre outras curiosidades, o decreto papal proíbe registrar "imagens do Sumo Pontífice, seja enfermo no leito, seja defunto". Prevê uma exceção, porém, para fotos do papa morto "a título de documentação", desde que autorizadas pelo camerlengo e se o papa estiver paramentado com os hábitos pontifícios.
A seção 55 do documento incumbe o camerlengo e três cardeais assistentes de zelar para que a Capela Sistina não seja grampeada, "recorrendo à perícia de dois técnicos de confiança" para que "nenhum meio de gravação ou transmissão audiovisual" seja introduzido.
Rica em detalhes, a constituição apostólica busca resolver situações raras. O que fazer se, dentro da Capela Sistina, um cardeal não tiver saúde para se levantar e depositar sua cédula na urna? Um escrutinador pega o voto e "o leva bem visível até o altar e o introduz no recipiente".
Caso o cardeal esteja tão doente que nem sequer consiga se deslocar do alojamento na Casa Santa Marta até a Capela Sistina, três cardeais são encarregados de levar uma urna vazia até o quarto dele. O cardeal adoentado também pode ter um enfermeiro para si no conclave, com "residência adequada".
Fonte: https://www.bahianoticias.com.br/folha/noticia/335116-conclave-tem-seu-proprio-codigo-eleitoral-com-veto-a-comunicacao-externa-e-a-imagens-de-papa-defunto