sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Grupo quer expulsar famílias de comunidade próxima a Sauípe, denunciam moradores

No dia 13 de maio de 1888, finalmente, foi abolida a escravidão no território brasileiro. Ao menos oficialmente. O Brasil foi a última grande nação escravista do mundo e sua elite rural resistiu até onde pôde ao fim desse negócio financeiramente vantajoso, de exploração do trabalho de outras pessoas baseada em sua origem e em sua cor.

 

Naquela data, diversas famílias de africanos e descendentes abandonaram as senzalas e foram construir suas vidas com base no trabalho livre. No dia seguinte, porém, ao perceberem que o Estado brasileiro não lhes daria quaisquer condições de educação e trabalho para crescer, muitas dessas famílias retornaram às terras dos antigos proprietários de escravos.

 

Nessas terras, passaram a trabalhar muitas vezes apenas em troca de um teto e de um pedacinho de terra para plantar em busca da subsistência. Diversas comunidades se formaram dessa maneira no Brasil. É uma história contada, inclusive, no premiado romance “Torto Arado”, do baiano Itamar Vieira Junior, que conta a história de uma comunidade de pessoas negras dentro de uma enorme fazenda na Chapada Diamantina.

 

Mesmo hoje, em 2022, essas comunidades resistem. As famílias descendentes de pessoas escravizadas cresceram, se reproduziram, receberam agregados. Em muitos desses casos, as terras do antigo fazendeiro foram abandonadas e, mesmo assim, os trabalhadores continuaram no local, trabalhando por suas prosperidades.

 

Há ainda outras situações, também relatadas em “Torto Arado”, em que os trabalhadores explorados por escravocratas fugiam e formavam quilombos, muitas vezes em latifúndios improdutivos de aliados do antigo Império brasileiro. Muitas dessas comunidades quilombolas se desenvolveram à parte dos grandes escravocratas e, agora, tentam resistir ao avanço de descendentes da elite imperial sobre as terras.

 

É o caso da comunidade instalada no Sítio Santo Antônio, no bairro do Areal, em Mata de São João. Os moradores do local nas proximidades de Costa do Sauípe, descendentes de quilombolas, têm enfrentado ameaças e constrangimentos de pessoas que tentam convencê-los a deixar as terras, ocupadas pelos antepassados desde o século XIX.

 

“Essa área é herança de minha avó. Somos quilombolas. Nós estamos aqui há muitos anos, mais de 100 anos, trabalhando, cuidando dos coqueiros. Nós temos provas disso. E agora eles querem tomar nossas terras da gente”, afirmou o morador Valmir de Oliveira, em entrevista ao Bahia Notícias.

 

Segundo os moradores, um fazendeiro da região requereu a posse das terras em 2006 e construiu uma cerca em volta da comunidade. A partir desse momento, os nativos começaram a sentir que perderiam a paz de viver no local em que nasceram e cresceram.

 

De acordo com documentos obtidos pelo Bahia Notícias, o fazendeiro seria Paulo Roberto Álvares de Souza, que, junto a Lindaura Soares de Carvalho, moveu uma ação de interdito proibitório contra dois moradores da comunidade, alegando ameaça de turbação ou esbulho da propriedade.

 

A comunidade, onde residem cerca de 16 famílias, possui aproximadamente 40 habitantes, que agora demonstram medo diante da presença de seguranças privados armados, que costumam cercar o local. Os moradores dizem temer, inclusive, mandar os filhos para a escola, com medo de nunca mais vê-los.

 

Mais recentemente, Paulo Roberto e Lindaura teriam vendido as terras para um grupo empresarial, que, segundo os moradores, pretende construir um condomínio residencial no local, aos moldes dos que já existem em Praia do Forte e Costa do Sauípe, outros distritos de Mata de São João.

 

No meio da briga entre moradores da comunidade e os empresários que requerem a posse do local, Valmir acabou sendo processado criminalmente pelo Ministério Público Federal por um suposto desmatamento de uma reserva natural de Mata Atlântica. O nativo quilombola nega o envolvimento.

 

“Não existe isso de desmatamento. Nós temos provas. Nós cuidamos da natureza em nossas terras. São esses grileiros que estão destruindo tudo para a construção de condomínios, com a proteção da prefeitura de Mata de São João”, apontou Valmir ao BN.

 

Para o morador, o MPF e a Justiça local estão à serviço dos empresários e a ação contra ele é mais uma das “ameaças psicológicas” dos donos do poder contra os quilombolas do Sítio Santo Antônio.

 

“São ameaças no sentido do medo psicológico. Usam a Polícia para nos ameaçar, além da segurança privada. Destruíram um galpão que a gente tinha umas galinhas, uma caixa d’água, toda a área de irrigação que a gente tinha. Agora, estão falando que vão cobrar R$ 50 mil de multa, mais R$ 1 mil diário, se a gente continuar em nossas casas”, contou.

 

Valmir afirma que, apesar das ameaças e de propostas para morar em outro local, os quilombolas não têm a intenção de deixar o Sítio Santo Antônio e pretendem lutar até o fim pelo reconhecimento do direito de permanecer em suas casas.

 

“Um cara aqui apareceu dizendo que tinha comprado e propondo uma negociação, com base no Minha Casa Minha Vida. A gente sairia daqui para ir para uma residência do Minha Casa Minha Vida. Mas a gente não quer sair daqui. Nascemos e crescemos aqui. Temos apego por essa terra. Não vamos desistir dela”, concluiu Valmir.

Fonte: https://www.bahianoticias.com.br/noticia/272061-grupo-quer-expulsar-familias-de-comunidade-proxima-a-sauipe-denunciam-moradores.html
 

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