Nenhum outro escritor influenciou tanto a imagem que os alemães 
têm do Brasil como o baiano Jorge Amado, com sua literatura de crítica 
às injustiças sociais e personagens sensuais e exóticos. Se vivo, ele 
faria 100 anos.
       
 A recepção internacional do trabalho de Jorge Amado teve a França como 
país europeu pioneiro, onde seus livros começaram a ser traduzidos já no
 fim dos anos 1930. Foi nesse país que o autor brasileiro viria a se 
exilar entre 1948 e 1950, ao ter seu mandato como deputado federal 
cassado quando o Partido Comunista Brasileiro voltou à ilegalidade.
 O ativismo político e o contato com intelectuais estrangeiros de 
esquerda foram determinantes para a recepção e circulação da obra de 
Amado na Europa. É na Alemanha Oriental que surgem as primeiras 
traduções para a língua alemã, em 1950, com os romances Jubiabá e Mar morto, primeiramente traduzidos do francês.
 "Na Alemanha Oriental, Jorge Amado era um dos autores estrangeiros mais
 importantes, com quase todos os livros traduzidos e depois relançados 
numa coleção de obras selecionadas pela editora Volk und Welt", comenta o
 professor Marcel Vejmelka, da Universidade de Mainz, autor da 
monografia A obra de Jorge Amado nas Alemanhas Oriental e Ocidental: suas recepções e traduções.
 Ao receber o Prêmio Stalin em 1951 (mais tarde renomeado Prêmio 
Internacional Lénin da Paz), Amado sedimentou sua carreira no Leste 
Europeu, passando a ser percebido e celebrado como um dos principais 
autores internacionais a denunciar as injustiças sociais do sistema 
econômico vigente.
 Comunista de um lado, exótico do outro
 A recepção de sua obra na Alemanha Ocidental teria que esperar outra 
década. O primeiro livro a sair do outro lado do Muro viria depois do 
sucesso comercial de Gabriela, Cravo e Canela, publicado no Brasil em 1958.
 O livro foi traduzido e lançado na Alemanha Oriental em 1961. Esta 
mesma tradução seria comprada e lançada na Alemanha Ocidental no ano 
seguinte. Aqui começa o caminho ambíguo da percepção de sua obra na 
Europa: por um lado, ele era o autor comunista que denunciava mazelas e 
injustiças; por outro, o autor de livros com narrativas e descrições 
picantes, festivas e sensuais, especialmente para a sensibilidade 
europeia, então pouco familiarizada com a cultura brasileira.
 Vejmelka comenta que, na Alemanha Ocidental, Amado é lançado como 
'contador de histórias', representando o exotismo e o erotismo que até 
hoje permanecem como marca distintiva – ou melhor: estereótipo – da 
literatura brasileira na percepção alemã. "A polaridade caraterística da
 obra de Amado – a crítica social e política em contraste com as 
histórias saborosas e sensuais – continua marcando a visão que se tem na
 Alemanha da literatura brasileira e também do Brasil."
 Esta segunda percepção, a do exotismo, toma força e se torna 
predominante quando o mercado editorial alemão tenta enquadrar Jorge 
Amado (e outros autores brasileiros, como Guimarães Rosa) na onda de 
sucesso comercial do chamado "boom latino-americano", com os autores do 
que viria a ser conhecido como Realismo Mágico na década de 60.
 Ainda que vindo de uma geração já ativa na década de 1930 e marcada 
pelo neorrealismo, certos elementos fantásticos em obras como A morte e a morte de Quincas Berro d'Água (1961) ou Dona Flor e seus dois maridos (1966) permitiam essa aproximação.
 Entre as décadas de 60 e 80, esta visão seria incontornável, período em
 que Jorge Amado foi o autor brasileiro mais traduzido no mundo. Esta 
presença decaiu a partir do fim da década de 80 e com a Feira do Livro 
de Frankfurt de 1994, quando outros autores brasileiros, como Ignácio de
 Loyola Brandão e João Ubaldo Ribeiro, passaram a ter uma presença mais 
forte no exterior.
 "Quando se enfoca o nome de Jorge Amado no conjunto da literatura 
brasileira na Alemanha, ele ainda pode ser considerado o mais conhecido e
 lido, mesmo que não tenha, na atualidade, a importância e presença dos 
anos 60 a 80. Quando se compara com outros nomes individuais, há nomes 
que o ultrapassam, como Loyola Brandão nos 80, Patrícia Melo nos 90 e 
Bernardo Carvalho na atualidade. Mas quando se formula a uma alemão a 
pergunta básica 'Qual o escritor brasileiro que já leu ou cujo nome 
conhece?', Jorge Amado continua à frente", comenta Vejmelka.
 Novas traduções para o alemão
 A presença da literatura brasileira como um todo encontra-se atualmente
 em seu ponto mais baixo na recepção alemã, mesmo depois da Feira do 
Livro de 1994, prova de que, sem um investimento cultural a longo prazo,
 tais eventos não asseguram a influência cultural brasileira num país 
estrangeiro.
 Teo Mesquita, diretor do Centro do Livro e do Disco da Língua 
Portguesa, baseado em Frankfurt, comenta que a presença da literatura 
brasileira na Alemanha atualmente é minúscula se comparada à que Jorge 
Amado teve, sozinho, por duas décadas, apesar de outros escritores 
brasileiros estarem hoje no catálogo de editoras alemãs.
 "Espera-se que a presença do Brasil como convidado da Feira do Livro de
 2013 marque um renascimento. Sem investimento constante, porém, veremos
 o mesmo que ocorreu após a feira de 94. João Ubaldo Ribeiro, por 
exemplo, é hoje mais conhecido porque viveu na Alemanha e viaja com 
frequência ao país. É necessário que autores brasileiros marquem 
presença por aqui, façam leituras, contatos", afirma o livreiro e editor
 português.
 A editora S. Fischer Verlag aposta neste renascimento e começa a 
movimentar-se antes da feira. Acaba de ser lançada pela editora uma nova
 tradução para Tenda dos milagres (1969), a cargo de Karin von Schweder-Schreiner. A tradutora alemã, que já havia traduzido Tocaia grande e o infanto-juvenil O gato malhado e a andorinha sinhá, lançados na Alemanha em 1987, comenta a necessidade de novas traduções para vários trabalhos do brasileiro.
 "É na verdade algo muito trágico, pois a maioria das traduções foi 
feita na Alemanha Oriental, onde os tradutores não tinham o direito de 
viajar e conhecer o Brasil. E para traduzir um autor como Jorge Amado é 
necessário ter uma convivência com o povo brasileiro. Eu tive a sorte de
 viver no Brasil por três anos, corresponder-me com Jorge Amado, 
conhecer o candomblé e os cheiros do Brasil", comentou a tradutora. 
Segunda ela, há dificuldades também por haver poucos tradutores da 
língua portuguesa na Alemanha, já que há pouca demanda, e isso torna o 
processo mais caro.
 A boa notícia é que a editora S. Fischer informa que, até o próximo 
ano, estão programados lançamentos de várias traduções novas para livros
 do escritor brasileiro. Ainda que incerto quais títulos chegarão 
primeiro ao mercado, especialistas creem que o relançamento de livros 
como Tenda dos milagres e traduções novas para os romances do 
chamado "Ciclo do cacau" poderiam trazer um renascimento do fenônemo 
Jorge Amado na Alemanha.
 Até o lançamento desta nova tradução, no mês passado, apenas dois 
livros de Jorge Amado encontravam-se em catálogo na Alemanha: Capitães de areia, na tradução de Ludwig Graf von Schönfeldt feita na década de 50, e uma edição antiga de Dona Flor e seus dois maridos.
 Baiano de Itabuna
 Jorge Amado completaria 100 anos nesta sexta-feira (10/08). Nascido em 
Itabuna a 10 de agosto de 1912, foi um dos autores mais importantes e 
populares do modernismo brasileiro, membro da Academia Brasileira de 
Letras e autor adaptado com sucesso para o cinema e a televisão.
 A fundação que carrega seu nome em Salvador, cidade que descreveu 
tantas vezes, tem um papel cultural importante na cidade. Suas 
atividades políticas levaram-no ao exílio, mas contribuíram para a sua 
consagração internacional. Sua morte em 2001 teve repercussão 
internacional. Uma década depois e no centenário de seu nascimento, 
começa na Europa sua redescoberta.
 Autor: Ricardo Domeneck
Revisão: Alexandre Schossler
Revisão: Alexandre Schossler



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