Os últimos dias de setembro foram fatais para a economia do País, a crer no noticiário sobre as contas públicas e a conjuntura interna. O superávit primário dos últimos 12 meses, de 0,94% do PIB, foi o menor desde 2001 e inviabiliza a meta de 1,9% até dezembro. A exportação de soja, com cotações em baixa, deverá cair 20% no próximo ano sob efeito da boa safra prevista. O minério de ferro atingiu o recorde de queda em cinco anos, cotado a 78,6 dólares a tonelada, com desvalorização acumulada de 41,4% no ano. O Banco Central previu a diminuição das exportações pelo terceiro ano consecutivo. O leilão de internet 4G, em vez de gerar 7,7 bilhões de reais para o governo, rendeu 4,9 bilhões. A Bolsa, influenciada por esses motivos e pela especulação eleitoral, caiu 4,5% no dia 30 e acumulou perda de 11,7% no mês, o pior desempenho em mais de dois anos. O dólar subiu 9,3% no mês, a maior alta desde 2011. O Brasil, apontam alguns, faz feio em um mundo que começa a se afastar da crise.
Entre os fatos e as pressões eleitorais há, porém, um abismo. O ingresso líquido de investimentos estrangeiros diretos de 6,8 bilhões de dólares em agosto e a elevação do acumulado em 12 meses para 67 bilhões, equivalentes a 2,97% do PIB, estão longe de indicar um cataclismo. Este ano, tudo indica, será o quartoconsecutivo com IED superior a 60 bilhões. Essa modalidade consiste na aquisição de 10% ou mais do direito a voto numa empresa. Segundo o BC, seu ingresso depende de fatores como o ambiente institucional e macroeconômico do país receptor do aporte, perspectivas de crescimento a longo prazo, risco país, grau de abertura, perspectivas e oportunidades da economia. Por causa dessas condicionalidades, o IED é considerado um indicador relevante do grau de confiança externa.
As reservas em moeda conversível, indicadoras do poder de fogo para repelir ataques especulativos e debelar crises cambiais, aumentaram em 315 milhões de dólares em agosto em relação ao mês anterior, e atingiram o total de 379,4 bilhões.
Há outros contrapontos. O superávit brasileiro, ao contrário da versão dominante, não é baixo no cenário mundial. Segundo o economista Daniel Keller de Almeida, sócio da Creta/Nobel Planejamento, o resultado, comparado àquele dos principais países da América Latina e aos do G20, está entre os cinco mais elevados, desde 2010. O Brasil é o único, além da Arábia Saudita, com resultado primário positivo e superior a 1% do PIB na série.
A desvalorização do real diante do dólar não é uma exclusividade verde-amarela. A depreciação do euro ante o dólar atingiu 7,7% no terceiro trimestre.
O recuo persistente das exportações tem a ver com problemas internos, mas seria um erro subestimar os efeitos da retração da economia mundial. Segundo a Organização Mundial do Comércio, o baixo crescimento do PIB global reduziu as projeções de aumento do comércio internacional de bens, de 4,7% para 3,1%, em comparação ao desempenho do ano passado. O PIB da Zona do Euro cresceu 0,2% no primeiro trimestre e zero no segundo, de acordo com relatório da Agência de Estatísticas da União Europeia.
A solidez do sistema financeiro, a baixa dependência de financiamento externo e o pequeno endividamento em outras moedas servem para entender a atratividade da economia brasileira em meio aos indicadores conjunturais negativos.
Apenas a Alemanha tem capital regulatório bancário em comparação aos ativos (ponderados pelo risco) superior ao do País. A relação entre provisões e inadimplência é de 10,6 vezes no sistema financeiro local, a maior entre as principais economias avançadas e as emergentes. O endividamento externo é baixo, corresponde a 8,6% do montante. A dívida total representa 14,6% do PIB, proporção muito inferior aos 38,8% de 2003.
Um exemplo de distorção entre a realidade e sua representação são as informações dominantes a respeito da exportação de plataformas de petróleo, responsável pelo ingresso de 7,7 bilhões de dólares em 2013 e de 1,3 bilhão neste ano, até setembro. Os equipamentos não saem do Brasil e isso dá margem a um estranhamento compreensível, mas a sua apresentação como operações de contabilidade criativa não tem base defensável. Trata-se de uma prática com total amparo legal, baseada em procedimentos internacionais consolidados e importante para o desenvolvimento do País.
Segundo o Ministério do Desenvolvimento, “nessas operações, há troca de titularidade do bem entre um estaleiro nacional e uma empresa adquirente no exterior, com a consequente entrada de divisas para pagamento da transação em moeda estrangeira. São, portanto, operações de exportação”. Após a venda, o equipamento é alugado por uma empresa petrolífera nacional e as remessas ao exterior para o pagamento dessa obrigação são computadas na conta de serviços do balanço de pagamentos. “A apuração estatística segue as recomendações do Balance of Payments Manual, do Fundo Monetário Internacional e do sistema de contas nacionais das Nações Unidas, de metodologia e produção estatística de comércio exterior, do qual o Brasil é signatário.”
A legislação federal criou, em 1999, por meio do Decreto nº 3.161, um regime aduaneiro especial para a indústria do petróleo, o Repetro, de autorização da exportação, sem saída do território nacional, de plataformas de perfuração e produção de petróleo ou gás natural. A operação é regulada pelo Decreto nº 6.759, de 2009, e pela Instrução Normativa nº 844, de 2008, da Receita Federal.
A origem do Repetro está ligada à história da indústria e do desenvolvimento brasileiros, esclarecem Bianca Santos Marzani e André Tosi Furtado, do Instituto de Geociências da Unicamp, e Sinclair Mallet-Guy Guerra, da Faculdade de Engenharia Mecânica da mesma universidade, em trabalho sobre o assunto. Segundo os autores, a Petrobras, primeira estatal a se preocupar seriamente com a nacionalização de suas compras de equipamentos e componentes, adotou a partir dos anos 1960 a estratégia de reduzir sua dependência em relação aos fornecedores estrangeiros e atingiu índices de 90% de compras no mercado interno. “Mas a quebra do monopólio do petróleo nos anos 1990 criou um grande desafio para os fornecedores nacionais, de concorrência com competidores estrangeiros de alta capacidade financeira e tecnológica e grande escala.”
O obstáculo mais significativo imposto pela abertura do mercado, avaliam os autores, está fora do controle das empresas fornecedoras e diz respeito à questão tributária. A criação do Repetro permitiu aos investidores a importação de equipamentos sem o recolhimento dos impostos de importação, IPI e ICMS. Para compensar a vantagem tributária dessas importações, o governo criou o mecanismo de exportação ficta.”
“Fossem cobrados todos esses tributos, a atividade simplesmente ficaria inviável. Era fundamental recuperar a indústria naval no País, sucateada no passado. Além disso, estimulam-se o trabalho, a produção nacional, o aumento da renda no País e a capacidade de extração de petróleo”, diz o jurista Heleno Torres, professor titular do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. “Para reduzir custos de operações, estimular conteúdo nacional e proteger a indústria do petróleo, corretamente, o direito positivo brasileiro, por método jurídico perfeitamente válido para regimes aduaneiros especiais, admite o instituto das chamadas ‘exportações fictas’. Lamentavelmente, há muito preconceito, erros e falta de qualificação jurídica em muitas das críticas a essa modalidade.”
As plataformas, quando vendidas às sociedades estrangeiras, não deixam o País por serem objeto de um contrato de afretamento/leasing imediatamente após sua alienação, explica Torres. Trata-se de um mecanismo comum a todos os regimes aduaneiros, como o do drawback e o de admissão temporária, previstos há mais de 40 anos no Brasil, em conformidade com o anexo sobre subvenções e medidas compensatórias da Organização Mundial do Comércio. Há ainda a isenção por equiparação a exportações estabelecida pela Lei nº 9.432, de 1997.
O benefício do Repetro está diretamente relacionado à finalidade dos bens que ingressam no território nacional, ou seja, sua utilização deve estar vinculada à pesquisa e à produção das jazidas de petróleo, na forma da Lei nº 9.478, de 1997. Para Bernardo Gouthier Macedo, sócio-diretor da LCA Consultores, “esse sistema de exportação de plataformas de petróleo foi uma forma de incentivar a indústria doméstica para a Petrobras não precisar importar tais equipamentos, retendo divisas e capacidade industrial”.
Para o advogado, economista e contador Silvio Simonaggio, diretor da Simonaggio Advogados Associados, “os auditores independentes da empresa com as dimensões da Petrobras têm uma responsabilidade profissional mundial. Parece-me pouco razoável imaginar que essas empresas de auditoria aceitariam uma operação irregular”.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/revista/820/assim-e-se-lhe-parece-8982.html