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sábado, 20 de junho de 2020

Lembrada por Regina Duarte, canção da Copa de 1970 virou hino da ditadura



Regina Duarte ainda era secretária de Cultura do governo Bolsonaro quando, em maio, concedeu entrevista à CNN na qual lembrou, com saudade, do período da ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985.

Para Regina, filha de um tenente reformado e pensionista do Exército, a sociedade brasileira deveria parar de cobrar os militares pelos crimes do período de repressão.

"Ficar cobrando coisas que aconteceram nos anos 1960, 1970, 1980? Gente, vamos embora. Vamos embora pra frente? 'Pra frente, Brasil. Salve a seleção! De repente é aquela corrente pra frente...' Não era bom quando a gente cantava isso?", perguntou Regina, sorrindo, ao repórter.

Na recordação saudosa da ex-secretária, a canção "Pra Frente, Brasil", composta para seguir a campanha da seleção brasileira na Copa do Mundo do México, em 1970, pouco tem a ver com o sucesso de Pelé e companhia nos gramados mexicanos, cujo título completa 50 anos neste domingo (21), mas sim com uma suposta ideia de progresso e unidade nacional, o que também foi alardeado pelo governo militar à época.

Daí a lembrança de Regina Duarte, admiradora do regime, ser meramente política, não esportiva. O que explica a conotação que a música ganhou ao longo dos anos.

Músicas sobre a seleção não foram uma novidade do tricampeonato mundial. As primeiras participações brasileiras em Copas já haviam sido retratadas no cancioneiro popular. Carmen Miranda, por exemplo, emprestou sua voz à marcha "Paris", uma homenagem aos jogadores que partiram para a França disputar a competição em 1938.

"Foi quando o Brasil fez a sua melhor campanha até então, o Leônidas foi cantado. Logicamente que na Copa do Mundo de 1950 também surgiram músicas. Mas o boom mesmo foi com a conquista de 1958, quando surgiu a primeira grande música da seleção brasileira, 'A Taça do Mundo é Nossa'. Essa música foi feita dias depois da conquista", conta à reportagem o jornalista Beto Xavier, autor do livro "Futebol no país da música".

O que "Pra Frente, Brasil" alcançou, porém, foi a eternidade. Nenhuma canção mundialista teve tanto sucesso como ela, que se aproveitou de algumas circunstâncias determinantes para se instalar no imaginário do torcedor brasileiro, entre elas o ineditismo das transmissões ao vivo do Mundial na TV.

A Globo, que buscava se consolidar como a principal emissora do país, realizou um concurso musical que escolheria a canção oficial da seleção no México. A iniciativa foi bancada por três patrocinadores das transmissões: Esso, Souza Cruz e Gilette.

Composta pelo publicitário Miguel Gustavo, que já havia trabalhado em composições com o cantor Moreira da Silva, a letra de "Pra Frente, Brasil" ganhou a melodia do trombonista Raul de Barros e venceu o concurso da Globo.

"O Miguel Gustavo tinha na veia a publicidade, os jingles, uma antena comercial violenta. Mas acho que nem ele poderia imaginar que a música ganharia a dimensão que ganhou", afirma Beto Xavier, que não credita o sucesso da canção somente à conquista do tri e às transmissões ao vivo, mas pela própria qualidade técnica da música.

"A musica é poderosa, né. Tem uma introdução forte, uma coisa meio militaresca, varonil, ufanista. E uma letra perfeita, que Dorival Caimmy assinaria, sabe? Faço uma comparação com 'Uma Partida de Futebol', do Skank, que te leva para frente ", diz o jornalista.

O primeiro verso de "Pra Frente, Brasil" precisou ser corrigido às pressas. Isso porque Miguel Gustavo havia composto o trecho com "Setenta milhões em ação", mas um censo divulgado pouco antes da Copa do Mundo, no qual mostrava que a população brasileira já alcançara os 90 milhões, forçou a mudança de última hora, a tempo de entrar nas transmissões da Globo já atualizada.

A letra ufanista, somada ao triunfo brasileiro no México, caiu como uma luva nas mãos da ditadura militar.

O governo de Emilio Garrastazu Médici aproveitou o sentido patriótico da canção para propagandear o chamado "milagre econômico", termo que os analistas utilizaram para definir o crescimento da economia brasileira à época –um aumento do PIB de 10,2% ao ano, em média, entre 1967 e 1973.

A canção, que já se instalara no imaginário e no cotidiano da população, também trazia versos como "Parece que todo o Brasil deu a mão!", passando uma falsa imagem de unidade justamente no auge da repressão, endurecida com o AI-5 instituído em 1968 pelo governo de Costa e Silva.

Se para Regina Duarte a música traz a lembrança de um Brasil próspero, como os militares quiseram fazer crer, para outros as recordações da letra de Miguel Gustavo, que morreu dois anos depois do lançamento de "Pra Frente, Brasil", são bem menos positivas e também têm pouco a ver com a conquista do tricampeonato.

Ao jornalista Juca Kfouri, em 2013, a então presidente Dilma Roussef, torturada pelos militares, admitiu que a canção, mais de 40 anos depois, ainda lhe trazia dor. "Porque a memória da tortura e da prisão associa uma coisa à outra", escreveu Kfouri em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo em que foi publicada a entrevista.

"Nós ganhamos. Eu não tenho vergonha de contar aos meus o que fiz. Não torturei ninguém. Eles [militares] é que têm. Nós ganhamos", contou Dilma ao colunista.


Fonte: https://www.bahianoticias.com.br/folha/noticia/83020-lembrada-por-regina-duarte-cancao-da-copa-de-1970-virou-hino-da-ditadura.html

domingo, 31 de março de 2019

Em depoimento a jornal, Paulo Coelho diz ter sido torturado durante ditadura



No dia 28 de maio de 1974, o escritor Paulo Coelho teve seu apartamento invadido por agentes do regime militar e depois foi preso e torturado, segundo relatou em um texto publicado nesta sexta (29) no jornal americano Washington Post.

O texto foi escrito como reação à orientação de Jair Bolsonaro para que quartéis celebrem o golpe de março de 1964. A ordem do presidente foi distribuída pelo Ministério da Defesa.

Em seu texto, Paulo conta que, após ter sido levado ao prédio do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), onde foi interrogado, pegou um táxi. Estava a caminho da casa de seus pais, quando seu trajeto foi interrompido por dois carros. Retirado a força do automóvel por um homem armado, ele foi obrigado a vestir um capuz e, levado para um lugar que não sabe identificar, passou por sessões de tortura.

"Dizem que não quero cooperar, jogam água no chão e colocam algo nos meus pés, e posso ver por debaixo do capuz que é uma máquina com eletrodos que são fixados nos meus genitais", descreve em um trecho.

O escritor conta que, após perder a noção de tempo, foi levado para uma sala pequena chamada "geladeira". Diz que ela era "toda pintada de negro, com um ar-condicionado fortíssimo" e que ficou ali no escuro. "Começo a enlouquecer, a ter visões de cavalos. Bato na porta, mas ninguém abre. Desmaio. Acordo e desmaio várias vezes, e em uma delas penso: melhor apanhar do que ficar aqui dentro."

O texto do autor de "O Alquimista" termina com um protesto contra a ordem de Bolsonaro. "E são essas décadas de chumbo que o presidente Jair Bolsonaro --depois de mencionar no Congresso um dos piores torturadores como seu ídolo-- quer festejar nesse dia 31 de março."


Fonte: https://www.bahianoticias.com.br/folha/noticia/34322-em-depoimento-a-jornal-paulo-coelho-diz-ter-sido-torturado-durante-ditadura.html