terça-feira, 1 de julho de 2014

Nos vinte anos do Real, a economia volta ao centro do debate eleitoral

Dilma Rousseff, Eduardo Campos, Marina Silva e Aécio Neves (Reuters/AFP/Folhapress)

A deterioração dos pilares do plano bem-sucedido de FHC transformou-se no maior obstáculo para a permanência do PT no governo


Vinte anos depois de seu lançamento, em primeiro de julho de 1994, o Plano Real não só é celebrado como o início de um período de estabilidade econômica sem precedentes para o país, mas também como um norte a ser perseguido pelo candidato que assumir a Presidência da República em 1º de janeiro de 2015. Se há poucos anos era impensável a hipótese de que um governo pudesse permitir que os pilares do tripé econômico que sustenta o real se deteriorassem, hoje, trata-se da realidade. Com a inflação persistente há pelo menos cinco anos e a gastança pública desenfreada, os candidatos têm pela frente um caminho árduo, porém, claro: mostrar como e quando conseguirão trazer a economia brasileira de volta ao rumo. Com exceção da candidata Dilma Rousseff, cujo governo foi o principal autor da derrapada econômica, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) têm se valido justamente do argumento de restaurar os pilares econômicos para que o país consiga retomar sua trajetória de crescimento. O ponto positivo do debate é que o resgate dos fundamentos é uma demanda da sociedade, e não apenas um item do programa de governo dos candidatos. Não à toa, a origem dos protestos que tomaram o país em 2013 (e continuam ainda hoje) é justamente o aumento dos preços aliado aos gastos públicos descontrolados — em especial na construção de estádios. Reverter tal corrente mostra-se um desafio difícil — mas absolutamente necessário. 
Nova matriz — Se o bem-sucedido plano ajudou o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, a eleger-se presidente, a ameaça de pôr em risco o equilíbrio econômico conquistado a duras penas pode ser uma das principais pedras no sapato para a reeleição de Dilma Rousseff. O governo Dilma, além de se negar a reconhecer os feitos do plano, implantou o que o PT chamou de "nova matriz econômica", que consiste num modelo de estímulo ao consumo como forma de impulsionar o crescimento. O governo Lula já havia testado seus limites nesta seara, em especial após a crise financeira de 2008, como forma de frear a desaceleração econômica decorrente da conjuntura internacional. Em outra frente de ação, Lula se mostrou um pai generosíssimo para diversas companhias que, graças a injeções inexplicáveis de dinheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), se tornaram gigantes. Os juros destes aportes eram subsidiados pelo Tesouro Nacional, ou seja, com dinheiro sacado do caixa da União.
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Contudo, a gestão atual levou a "nova matriz" a outro patamar — muito mais sofisticado. Para não ter de abrir mão da política fiscal frouxa diante da inflação crescente, o governo passou a usar a Petrobras como ferramenta de controle de preços, impedindo que a estatal repassasse ao mercado a variação do barril do petróleo. Os reajustes só ocorreram quando as finanças da empresa se mostraram insustentáveis. No caso do setor elétrico, um pacote desenhado com o objetivo de cortar a conta de luz em quase 20%, também com o objetivo de conter a inflação, conseguiu desagradar a todos os atores da sociedade em questão de meses. Primeiro, aos empresários que viram seus contratos virarem pó. Depois, aos próprios consumidores que recebem desde o início deste ano os primeiros reajustes represados pelo pacote petista. No lado das contas públicas, medidas de contabilidade criativa minaram a credibilidade do governo diante do mercado externo, fazendo com que o país entrasse numa espiral de pessimismo e desconfiança.
Promessas — Enquanto Dilma tem, apesar de tudo, defendido a nova matriz e reafirmado que seu modelo de governo trouxe ganhos ao país, os candidatos de oposição disparam críticas severas. Ambos fazem promessas de implantar reformas para que o país retome o viés de crescimento, de combater a inflação elevada e reestabelecer o equilíbrio fiscal. No último sábado, quando foi oficializado candidato pelo PSB, Campos comprometeu-se a tirar o país do "atoleiro" em que está. "É um país que não merecemos depois de tanto esforço do povo brasileiro. Pois, pela primeira vez na história recente da democracia, veremos um presidente entregar o país pior do que recebeu", disse o candidato. A exemplo do adversário tucano, o pernambucano se comprometeu a promover uma reforma tributária em seu primeiro ano de governo, caso seja eleito. Aécio, por sua vez, afirmou que se a equipe econômica liderada por FHC conseguiu vencer o dragão inflacionário nos anos 1990, não há razão para crer que o feito não será repetido, sobretudo porque o cenário está longe de ser tão grave como há vinte anos. O tucano também não tem poupado Dilma pelos estragos feitos na área econômica. "Com a determinação do presidente Itamar Franco e com a liderança inconteste de FHC transformamos a realidade brasileira, com o Plano Real, quando quase ninguém acreditava ser possível", disse, ao ser lançado candidato pelo PSDB, no final de junho. 
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Campos já se propôs a reduzir a meta de inflação dos atuais 4,5% para o patamar de 3% até 2018. Já Aécio quer acabar com as bandas que permitem uma tolerância de 2% para cima ou para baixo do centro da meta e fazer com que a inflação convirja para 4,5% ao ano. Atualmente, o teto da meta está em 6,5% e a previsão de inflação para este ano é, até agora, de 6,4%. Para tentar reverter esse quadro, que se agrava ao longo dos últimos cinco anos, o Banco Central reverteu a política de corte de juros e passou a elevar a Selic desde o início de 2013. Os efeitos, contudo, se mostram ineficazes. "O BC, ainda que esticando um pouquinho, está cumprindo o seu dever institucional e está se mantendo, mal ou bem, dentro da política de metas. O que, de certa maneira, é uma postura heroica se considerarmos o estado da política fiscal. Mas o BC não tem condição de fazer política monetária sozinho, assim como nenhum banco central do mundo tem", explica o economista Gustavo Franco, ex-presidente da autoridade monetária e um dos 'pais' do Plano Real, que atualmente integra a campanha de Aécio.
Sinal de alento — Apesar de as razões que motivam o debate econômico terem imposto perdas ao país, há um sinal de alento. O economista e também ex-presidente do BC Gustavo Loyola avalia que apenas o fato de haver a discussão da inflação no pleito eleitoral já significa um avanço. "O fato de os candidatos de oposição terem essa preocupação mostra que a sociedade tem, felizmente, anticorpos contra a inflação. O resultado é que, por meio dos políticos, nota-se que há uma demanda dos eleitores por estabilidade", afirma. Assim como Franco, Loyola foi um dos criadores do Plano Real e assumiu a presidência do BC logo após a eleição de FHC, em 1995. Também esteve no comando da autoridade monetária entre 1992 e 1993. Outro contemporâneo de ambos os economistas na época do desenho do plano é André Lara Resende, que chefia a área econômica na campanha de Campos.
A missão para o próximo governo será de uma série de ajustes, tanto do campo fiscal, quanto na inflação. A conta das políticas de controle de preços da administração petista será pesada, já que será preciso recompor, aos poucos, os preços dos combustíveis e as tarifas de energia elétrica — tarefa muito impopular para o mais bem-intencionado dos gestores. Para Edmar Bacha, outro 'pai' do Plano Real, não há como escapar do legado de deterioração edificado nos últimos anos. "É preciso fazer um reajuste dos preços para retomar a capacidade de investimento da Petrobras e da Eletrobras, sem que isso provoque aceleração da inflação. Vai ser um ato difícil, precisará de muito engenho e arte. É uma herança terrível para quem ganhar", prevê.
Com reportagem de Marília Carrera
Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/economia/nos-vinte-anos-do-real-a-economia-volta-ao-centro-do-debate-eleitoral

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