Não sabia da morte do coronel Brilhante Ustra.
Fui informado por este repórter e fiquei feliz. Lamento apenas, pois
ele morreu sem ser julgado. Esperava que ele pagasse pelo mal que fez a
mim e aos meus companheiros. Aos 27 anos, do alto da minha vitalidade
física e mental, fui preso em uma ação coordenada por Brilhante Ustra.
Lembro que fui preso no dia 5 de julho de 1975. Os outros foram presos
nos dias que seguiram essa semana. Fiquei cerca de dez dias na chamada
Fazendinha, em Alagoinhas, na Bahia. Não tinha noção se era dia ou
noite, pois, junto com meus companheiros, estava encapuzado. Lá, sofri
de todas as barbáries dos agentes da ditadura militar no Brasil:
espancamentos, choques elétricos, afogamento em uma água imunda. Sessões
de horror. Como eu sei que esta ação foi conduzida por Brilhante Ustra?
Em um determinado momento destes quase dez dias, ele pegou um
companheiro de codinome Murilo - um dos nossos que colaborava com a
ditadura. Para provar que estava mesmo de posse de Murilo, nos levou até
ele. Estávamos sem capuz. Naquele momento, não fazíamos ideia de quem
era o militar, mas, tempos depois, o rosto de Ustra tomou os jornais
quando – já depois da ditadura – a atriz Bete Mendes, que também foi
torturada, reconheceu ele no Uruguai.
Ficamos estarrecidos ao perceber que ele ocupava o cargo de conselheiro
militar da embaixada brasileira no Uruguai, nomeado pelo então
presidente José Sarney. Voltando à prisão em Alagoinhas, eu não estava
só naquele lugar. Junto de mim, outras 41 pessoas foram presas – como o
vereador de Salvador Sérgio Santana, seus dois irmãos e uma irmã. Após
estes tortuosos dias, eu e mais 13 pessoas fomos submetidas ao
julgamento fantasioso e sem motivo legal. Antes da injusta condenação,
eu e meus colegas denunciamos em longos depoimentos os horrores do nosso
cárcere. Como éramos pessoas da sociedade civil – e não “ilegais” –
tivemos voz e fizemos barulho no tribunal militar.
Coronel Brilhante Ustra | Foto: Wilson Diar/ Agência Brasil
Foi o bastante para nos condenar. Eu, por exemplo, passei dois
anos da minha juventude no Forte de Santo Antônio, em Salvador. A minha
pena não foi a maior. Companheiros meus pegaram até quatro anos de
detenção. Um absurdo. Depois, passamos para uma liberdade vigiada.
Estávamos fora do cárcere, mas com várias restrições. Não podíamos
frequentar bares, ficar na rua até depois das 20h. A liberdade de fato
só veio com a Lei da Anistia. Todo esse processo da minha prisão –
coordenada por Ustra – foi muito tortuoso, mas não fiquei com sequelas
físicas. Mesmo depois da prisão, continuei a ser constrangido pelo
regime militar. Sou contra qualquer ditadura até por isso. Acho que este
regime não tem só o aspecto político, ele afasta as pessoas, é uma
doença que contamina toda sociedade. Após minha prisão, particularmente,
recebi muita solidariedade das pessoas. Meu pai já estava morto quando
eu fui preso. Ele morreu quando eu tinha 21 anos. A política e a
ditadura me separaram de meu pai em três oportunidades. A primeira, em
1946, quando ele teve o mandato de deputado cassado e minha mãe veio
para a Bahia – deixando meu pai no Rio de Janeiro. Aí só conheci meu pai
aos sete anos, e fui morar com ele no Rio. Em 64, quando eu tinha mais
ou menos 16 anos, ele foi preso novamente e era insuportável viver lá
sem ele. Eu era um meninote. Depois, ele morreu. Lembro sempre do meu
pai com muito carinho. Ele era uma pessoa muito afetuosa. Lembro do
abraço dele. Tudo foi muito duro, mas a vida seguiu. Reconstruí minha
vida e tenho muito orgulho de ter enfrentado a ditadura com dignidade.
Ustra, diferente de meu pai, morreu rejeitado pela história do Brasil e
pela sociedade. Todos sabem quem foi Carlos Marighella e o que ele fez
por esse país, mas, quantos sabem quem era Ustra?

Fonte: http://www.bahianoticias.com.br/noticia/180193-brilhante-ustra-morre-rejeitado-pela-historia-do-brasil.html
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