Para especialistas ouvidos pelo GLOBO, é necessário que governos
apresentem respostas rápidas aos protestos para evitar o caos nas
cidades, nem que seja cortando gastos para cobrir passagens
“O que se pode fazer? Só sei que eu não gostaria de ser do governo
agora”, diz o cientista político Marco Aurélio Nogueira, diretor do
Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp. “E
também sei que é necessário agir, nem que seja cortando gastos com
assessores parlamentares no Brasil para cobrir os R$ 0,20 das passagens
de ônibus”, acrescenta.
A proposta de Nogueira é uma das muitas feitas por sociólogos,
cientistas políticos, advogados e antropólogos ouvidos pelo GLOBO sobre
que postura se espera dos governos federal, estaduais e municipais
frente aos protestos e atos de vandalismo ocorridos na última semana em
todo o Brasil. Entre as ideias discutidas, estão também a instituição de
audiências públicas sistemáticas, a criação de novos canais de
comunicação com a sociedade, a remoção da PEC 37 da pauta do Congresso e
a redefinição do papel das polícias no país. Todos concordam que é
preciso atuar rapidamente para evitar a instauração do caos nas cidades.
E nenhum deles quer ver forças militares nas ruas.

— O governo precisa anunciar que certas questões vão ser encaminhadas oficialmente. Hoje (sexta-feira),
nas entrevistas do governador Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes,
eles só falaram de vandalismo. Eles precisam reconhecer que o movimento
não é só de vândalos — afirma Karina Kuschnir, professora do
Departamento de Antropologia Cultural da UFRJ. — Com isso, é necessário
dar voz a algumas das demandas, como o financiamento público de
campanhas, a transparência nas contas públicas e divulgar detalhadamente
os investimentos na Copa do Mundo. Essas já seriam respostas à
população.
Dilma promete diálogo
Na última sexta-feira, em seu pronunciamento em cadeia nacional, a
presidente Dilma Rousseff anunciou que vai se reunir com os presidentes
do Legislativo e do Judiciário, e que pretende receber os líderes dos
protestos para dialogar. Mas não explicou como isso será feito. Ela
também falou em atrelar 100% dos royalties do petróleo para a Educação e
de trazer médicos do exterior para aumentar o serviço do Sistema Único
de Saúde. A presidente afirmou, ainda, que não vai aceitar o uso de
violência nas ruas.
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— Se os governos tiverem serenidade, podemos ter um grande ganho da
população brasileira em nome da democracia — afirma Paulo Baía,
professor do departamento de Sociologia da UFRJ. — O que podem fazer é
abrir o processo de decisão em audiências públicas, chamando todos os
setores para discutir questões como a PEC 37 e o transporte público.
Para que as pessoas possam ter voz nas decisões.
Antes do pronunciamento de Dilma, a medida mais concreta tomada pelos
governos havia sido a anulação do aumento de R$ 0,20 nas passagens de
ônibus em alguns municípios. Mas, apesar disso, os protestos não só
continuaram como aumentaram em muito de tamanho: no Rio, por exemplo,
100 mil pessoas foram às ruas na segunda-feira, a passagem foi reduzida
na quarta e 300 mil manifestantes estiveram nas ruas na quinta.
— De um modo geral, não há demandas específicas — afirma Marcelo
Simas, professor de Ciência Política do Iuperj. — Uma possibilidade
seria retirar a PEC 37 da pauta. Mas, se você olhar a massa dos
manifestantes, você saberia dizer quantos endossam a retirada da PEC 37?
Já surgiu, entre os protestos, até mesmo quem pedisse a redução da
maioridade penal. São insatisfações sem propostas.
Professor sugere campanha na rede
Para Simas, então, a solução seria criar canais de comunicação entre o
governo e a sociedade, tanto para compreender melhor as razões dos
protestos, quanto para deixar claro o que será feito como solução:
— O governo já falou em criar conferências nacionais com a sociedade,
que seriam instrumentos de vocalização das demandas. O problema é que
isso vai levar algum tempo. Enquanto isso, uma maneira de tirar esses
protestos das ruas seria uma campanha das autoridades via redes sociais.
Usar novos mecanismos de comunicação para chegar aos manifestantes.
Sem diálogos com os manifestantes, há dois temores principais na
sociedade: que, por um lado, as cenas de vandalismo, como as da última
quinta-feira, perpetradas por pequenos grupos em meio aos protestos,
voltem a ocorrer; e que, por outro, a repressão policial seja desmedida,
gerando mais violência.
— Ontem (quinta-feira), na minha faculdade, 250 pessoas
procuraram abrigo porque a reação estatal foi tão violenta que ficaram
com medo de ir para rua. Cercaram a faculdade. São reações
despropositadas — diz Flavio Alves Martins, diretor da Faculdade
Nacional de Direito da UFRJ. — A primeira coisa que o governo deve fazer
é reconhecer o movimento popular forte e colocar as pautas numa mesa de
negociações. As manifestações ficaram fora de controle porque há
pessoas com pautas bem diferentes que resolveram extravasar tudo de uma
vez. Não estamos acostumados a isso.
No tocante ao possível uso de forças militares para controlar os atos
de vandalismo, o sociólogo Ignácio Cano, da Uerj, é taxativo:
— A Força Nacional deve ser usada apenas para defender lugares
emblemáticos, como o Palácio do Itamaraty. Fora isso, não acho que seja o
caso de convocar o Exército. O exercito tem que preservar a nação
contra uma ameaça externa. Seria um grande erro político, mandaria a
mensagem de que o Estado está sob ameaça. As pessoas não querem derrubar
o Estado, querem um Estado mais justo. Tem uma minoria que provoca a
violência — afirma Cano, que descarta o decreto de Estado de Sítio. —
Seria desnecessário e contraproducente. O Estado de Sítio restringe o
direito à manifestação, se decreta após terremotos, em situações com
vítimas, perda muito grande de controle da realidade. Manifestações
populares não entram nesse cenário. Se fizerem isso, os manifestantes
ficariam com mais raiva.
Secretário geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sociólogo Renato Sérgio de Lima concorda:
— Não é necessário nenhum recurso extraordinário. Não precisamos de
Exército ou Força Nacional nas ruas. O que precisamos é de um acordo
muito claro e transparente do que as polícias devem fazer. As polícias
brasileiras têm excelência técnica. Se você conseguir explicitar quais
são as atribuições delas, elas mesmas são aptas a lidar com o problema
hoje — diz. — O Brasil não dispõe de uma doutrina sobre o uso da Força
Nacional ou do Exército. Não há nada que especifique quando devem ou não
ser usadas balas de borracha, nada sobre a forma de lidar com
manifestantes, nada sobre a forma de autuá-los. As instituições não
estão preparadas para lidar com conflitos dessa natureza.
Hora de articulação partidária
Para todos, após o pronunciamento de Dilma, os próximos dias serão
fundamentais para que se compreenda se o movimento vai perder força ou
vai continuar ocupando as ruas.
—É hora de os governos fazerem uma articulação suprapartidária. Um
governo com representação do povo não pode acabar. Se não houver
governo, quem vai fazer isso? É o risco de aparecer um ditador, um líder
populista ou um rei — afirma o cientista político Marco Aurélio
Nogueira. — Mas é necessária a recriação do governo representativo. Como
isso vai ser feito e em que velocidade, a gente não sabe. Mas uma
Reforma Política, com R e P maiúsculos, seria um primeiro passo.
Fonte:http://noticias-do-brasil.cbnfoz.com.br/noticias-do-brasil/editorial/brasil/23062013-29863-protestos-no-brasil-para-analistas-o-momento-agora-e-de-reacao
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