Cardeais estão divididos em blocos de poder, com os romanos favorecendo o brasileiro Odilo Scherer e os reformistas, o italiano Angelo Scola
Os cardeais
que participam do conclave
desde a terça-feira de 12 de março entraram na Capela Sistina
em fila única, mas, apesar da exibição ordenada, eles estão divididos
entre linhas diferentes e blocos de poder que determinarão qual homem
entre eles será eleito o papa.
Infográfico 1: Saiba como funciona o conclave para escolha do novo papa
Infográfico 2: Conheça os cardeais que participam de conclave de novo papa
A principal divisão contrapõe os cardeais que trabalham
no Vaticano, os romanos, aos reformistas, que querem que o próximo papa
lide com o que veem como a corrupção, ineficiência e relutância do
Vaticano em compartilhar poder e informação com os bispos de todo o
mundo.
Mas as facções nesse conclave não se dividem em linhas
geográficas e, na verdade, parecem ter produzido alianças
surpreendentes: a principal preferência dos romanos parece ser um
brasileiro, enquanto há informações de que os reformistas pressionam
pela eleição de um italiano.
Esse conclave é muito mais imprevisível e
misterioso do que o último, pois o cenário da Igreja mudou nos últimos
oito anos. O próximo pontífice deverá unir uma Igreja cada vez mais
globalmente paralisada por escândalos
e a má gestão em meio aos holofotes da mídia. E entre os cardeais, não
há um sucessor óbvio ao papa Bento 16, que mexeu com a Igreja ao
renunciar no mês passado, aos 85 anos.

Cardeal brasileiro Odilo Scherer (C) deixa a Basílica de São Pedro após missa (12/03)
Com toda a agitação causada pelos escândalos do Vaticano,
os romanos têm consciência de que podem fracassar se apoiarem um do
próprio meio, então há sinais de que estão se alinhando atrás do cardeal
brasileiro Odilo Scherer
, o arcebispo de São Paulo.
Scherer tem ascendência alemã, mas sua seleção daria à
Igreja Católica Roma seu primeiro papa da América Latina. A região
abriga cerca de 40% dos católicos do mundo, e nela a Igreja tem como
desafios a ascensão das congregações evangélicas e o aumento do
secularismo.
Os reformistas, liderados por americanos e alguns
europeus influentes, são declaradamente a favor do cardeal italiano
Angelo Scola
, o arcebispo de Milão, um pastor popular e erudito teólogo moral. Como
italiano, ele está familiarizado com a cultura que domina a burocracia
do Vaticano, mas não faz parte dela ou é ligado a ela.
Saiba mais: Veja o especial do iG sobre o conclave
Muitos cardeais, no entanto, disseram estar ansiosos por
um papa de fora da Itália e, melhor ainda, de fora da Europa, algo que
esperam que chame atenção dos 1,2 bilhão de católicos do mundo.
Outros candidatos poderiam facilmente emergir
diante do que poderá ser uma disputa com constante mudança de alianças e
prioridades, segundo entrevistas feitas na semana passada com
autoridades da igreja, estudiosos e vaticanistas.
Com o palco verdadeiramente aberto, o próximo
papa a aparecer na varanda para falar à multidão na Praça de São Pedro
poderia ser da Argentina, Canadá, Hungria, México, Filipinas ou até
mesmo dos EUA.

Cardeal Angelo Scola acena para repórteres ao chegar a uma das reuniões pré-conclave no Vaticano (04/03)
Quem quer que seja, ele terá de convencer seus
companheiros de que seus dons como evangelista e administrador poderá
levantar a Igreja após os escândalos envolvendo abuso sexual de
crianças, o Banco do Vaticano, a recente renúncia
de um cardeal que admitiu
ter usado seus próprios sacerdotes para favores sexuais, e o chamado escândalo do VatiLeaks
, em que documentos pessoais do papa foram roubados e publicados,
revelando brigas na administração central da igreja, conhecida como
Cúria.
A eleição resume-se à contagem dos votos, e com uma
maioria necessária de dois terços entre os 115 cardeais, o vencedor terá
77 votos. Os cardeais do Bloco Romano, que trabalham na burocracia do
Vaticano, equivalem a 38 e não são apenas da Itália, mas também de
outros países.
Pela primeira vez, um americano poderia estar prestes a
superar a aversão tradicional do conclave em escolher um papa de uma
superpotência, embora nem todos analistas concordem com isso. Os
candidatos mais prováveis seriam o cardeal Timothy M. Dolan, arcebispo
de Nova York, conhecido por sua presença exuberante e habilidades
evangelizadoras; e o cardeal Sean Patrick O'Malley, de Boston, um frade
franciscano capuchinho, que tem a reputação de ter acalmado a situação
em três dioceses sucessivas (Fall River e Boston, ambas em
Massachusetts; e Palm Beach, na Flórida) dilaceradas por escândalos de
abuso sexual infantil. Ambos se manifestaram a favor da mudança.
Gian Guido Vecchi, um jornalista que cobre o Vaticano,
disse na semana passada ao jornal italiano Corriere della Sera: "Mesmo
que o primeiro papa americano não seja eleito, é difícil imaginar que o
papa possa ser eleito sem, ou até mesmo contra, eles."

Um nome mencionado até mesmo antes da renúncia
de Bento 16
é a do canadense Marc Ouellet. Ele é um conservador doutrinário que
ensinou filosofia na Colômbia e pode ter o apoio de alguns cardeais
latino-americanos. Mas Ouellet passou muitos anos trabalhando no
Vaticano e tem administrado o Departamento de Bispos desde 2010. Ele
pode ser visto como um candidato aceitável para ambos romanos e
reformistas.
Infográfico: Saiba mais sobre as vestimentas do papa
Outro candidato que atrae muita atenção é o cardeal
húngaro Peter Erdo, 60, um canonista que, apesar de sua relativa
juventude, foi duas vezes eleito presidente da Conferência dos Bispos da
Europa. Ele também cultivou laços estreitos com prelados africanos.
Observadores da igreja salientaram que, embora Ouellet e
Erdo sejam queridos por seus colegas, nenhum dos dois chamaria muita
atenção de quem está de fora, algo que poderia ser um impasse no momento
em que a Igreja precisa de um papa que possa se conectar com as
pessoas.
Não dá para dizer agora de forma confiável quem sairá do
conclave como papa, disse Flores d'Arcais, editor do jornal liberal
italiano MicroMega: "Hoje só Nostradamus poderia fazer tais previsões."
Por Laurie Goodstein e Elisabetta Povoledo
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