sexta-feira, 21 de junho de 2013

Inhambupe é visto pelo o mundo no Fantástico

Esse vídeo foi feito no ano de 2001, no programa da Rede Globo de Televisão, veja abaixo um artigo de Silvio Carvalho, no Jornal A Tarde, que fala sobre "Inhambupe e a Globalização", muito interessante. Vale a pena ler.


No último domingo de Páscoa, a Rede Globo de Televisão mostrou uma reportagem, no programa do Fantástico, sobre o lobisomem. A cidade escolhida foi Inhambupe, minha terra natal. Interessado na reportagem liguei a televisão e me preparei para assistir à “Hora do Espanto”, como anunciava o locutor Cid Moreira.

Ao fim da reportagem, fiquei muito chateado. As pessoas simples da minha terra foram ridicularizadas diante dos olhares de todo o Brasil. Não acho justo expor as pessoas daquela forma, mesmo porque falavam das suas crenças, dos seus medos, das suas inseguranças, das suas dúvidas, das suas verdades, das suas sombras.

No dia seguinte, ao chegar à faculdade para dar aulas, fui questionado pelos meus alunos se acreditava em lobisomem. Imediatamente respondi que sim. Ficaram perplexos. Disseram-me que não era possível que eu acreditasse em tamanha asneira. Então lhes perguntei o que acharam da reportagem do Fantástico. Alguns disseram que foi engraçada, outros perceberam a ridicularização sofrida por aquelas pessoas simples, outros acharam uma idiotice e outros insistiram em saber se, realmente, eu acreditava em lobisomem.

Após alguns comentários, disse-lhes: “Já que muitos acreditam em shopping center, em liquidação, em Disneylândia e Mickey Mouse, em dietas para emagrecer e ser desejado ou desejada, eu me dou o direito de acreditar em lobisomem, pois tudo isso é uma questão mitológica. O shopping, a Disney, as dietas, a liquidação e outras estão ligadas ao mito do consumo, enquanto o lobisomem à mitologia popular brasileira. Por outro lado, todas as escolas, atualmente, esforçam-se para comemorar o dia das bruxas. Mães correm às lojas a fim de alugarem fantasias para os seus filhos, professores esforçam-se para fazer uma grande festa e a escola deixa de ensinar os seus tão rígidos conteúdos. Tudo para comemorar o dia das bruxas, ou melhor, o holloween, “tradição” que só fomos conhecer a menos de cinco anos. Ficaram em silêncio.

Mas, devo dizer que, realmente, acredito em lobisomem. Explico. O que representa o lobisomem no imaginário popular? Ele só aparece no período da Quaresma. Por quê? Dentro da religião católica esse é o tempo de preparação para Páscoa, que significa passagem. Nesse período é preciso que o cristão se encontre com ele mesmo, busque conhecer-se, descubra seu lado bicho, os seus instintos e emoções que ainda não foram educados, para que possa fazer a “passagem” para uma vida mais humana. A Páscoa é um momento de transformação, de buscar o Deus que está dentro de cada um; é o tempo de conhecermos o nosso demônio, para que possamos dominá-lo e fazer brotar, de dentro de nós, o divino. O lobisomem, portanto, representa esse lado bicho de cada um. Por isso, temos medo dele. O lobisomem é o homem que vira bicho, porque cometeu uma brutalidade, ou seja, agiu como um animal. E como temos agido animalescamente. Quantas vezes, como Caim, não sabemos responder onde está o nosso irmão? E se não sabemos é porque o matamos de fome, de desprezo, de indignidade, de humilhação a cada dia. Esse lado animal nos envergonha. Por isso, o projetamos no lobisomem. Ele é a nossa sombra, que sai de dentro de nós e transforma-se em bicho.

Feliz daquele que acredita em lobisomem, pois sabe que precisa educar-se e conhecer-se para, assim, aprender a dominar os seus instintos, suas emoções, seu lado bicho, tornando-se, cada vez mais, humano.

O problema é que a nossa mente colonizada despreza a sabedoria popular para acreditar na “sabedoria” do mercado. Perdemos a capacidade de acreditar na condição do ser humano de definir-se e colocar-se socialmente, para acreditarmos que a servidão é o nosso destino e a impotência a nossa natureza. Como diz Eduardo Galeano, o colonialismo invisível, travestido de globalização, nos convence de que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser. O mundo capitalista não precisa nem quer os ensinamentos que brotam da cultura popular, dos mitos, das lendas. O mercado, sozinho, dá respostas para tudo. Contudo, faz com que o tempo das perguntas demore.

A minha alegria é que, felizmente, ainda existe Inhambupe com seus homens simples, pois esses, mesmo sendo ridicularizados, nos fazem buscar, no fundo de cada um, a identidade perdida. O Brasil não é Disney, Holloween, Mc Donald. O Brasil é o lobisomem, é o futebol, é o samba, é Inhambupe.

(*) Este artigo foi publica no Jornal A Tarde – 26/04/2001, pág. 5 – Municípios

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