sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Tragédias provocadas pelas a chuvas refletem desamparo social

Em Minas Gerais, 2,1 milhões de pessoas foram afetadas; quase cem cidades sob estado de emergência

Em Minas Gerais, 87 cidades estão em estado de emergência. No total, 2,1 milhões de pessoas foram afetadas pelas tempestades do início do ano, em 142 municípios só do estado mineiro. Centenas de casas e pontes foram destruídas. No Rio de Janeiro, as enchentes e os deslizamentos de terra mataram oficialmente 905 pessoas. Já são mais de 34 mil pessoas desabrigadas, de acordo com o último boletim do governo do RJ. No Espírito Santo 139.453 pessoas foram afetadas pelas chuvas, segundo a Defesa Civil estadual, ao menos 5.074 edifícios foram depredados e 56 pessoas se feriram. 
Já virou tradição. Todo início de ano, os brasileiros assistem, com sensação de impotência, a repetição das tragédias de deslizamentos de terra e inundações no período de chuvas do verão. Por que a situação não é revertida? Cinismo? Despreparo? Ignorância? Falta de recursos? Desleixo? Opção política? A Caros Amigos conversou com Kazuo Nakano, arquiteto urbanista que atualmente desenvolve pesquisas urbanas e coordena assessorias técnicas em diversas cidades brasileiras na elaboração de planos diretores participativos, a respeito do processo de desenvolvimento urbano das cidades brasileiras e os motivos por trás das repetidas e trágicas enchentes.

Todos os anos, no período das chuvas, as enchentes e os desmoronamentos se repetem, atingindo milhares de pessoas em todo o Brasil. Por que, diante de tragédias tão anunciadas que têm praticamente até data marcada, essa situação não é evitada?
Tem uma dimensão, no cerne desse problema, que é de fato muito difícil conduzir. Não é um problema recente, algo que apareceu há pouco tempo. É consequência de uma construção histórica que foi se materializando nas cidades do país ao longo da segunda metade do século XX, período em que o Brasil viveu a transição rural para urbana. Entramos em um ritmo acelerado de urbanização, com milhares de pessoas se dirigindo para as grandes cidades e nesse processo o padrão de urbanização que foi se consolidando, o padrão de uso e ocupação de solo, o padrão de produção de bairros – principalmente os bairros que servem de alternativa para a população de baixa renda – foi um padrão de risco, em que essas famílias tiveram como única alternativa de moradia urbana o mercado informal. Um mercado cujos preços da terra e da moradia cabiam no pequeno bolso dessas famílias trabalhadoras e migrantes, por ser uma terra sem infra-estrutura, precária, em áreas periféricas, muitas vezes em áreas de risco como na margem de rios e córregos ou encostas de morros onde é possível que haja deslizamento. Podemos dizer que são áreas que constituem territórios excluídos. São áreas interditadas do direito à cidade. Isso foi sendo constituído ao longo de décadas.
Temos que tomar cuidado nessa análise para não responsabilizar essas famílias de baixa renda por estar morando nessas situações. Elas não são agentes causadores desses problemas, elas acabam sendo sujeitadas a essas condições. Essas lacunas tanto do mercado urbano (viário, fundiário e habitacional) quanto das políticas urbanas no Brasil, fizeram com que a única alternativa de territorialização dessas famílias na cidade fosse por meio do mercado informal gerador dessa situação de vulnerabilidade e de violação do direito à cidade. Aí está a raiz do problema e nós fomos reproduzindo isso em todas as regiões do país.
Existe outro componente importante que é o sistema viário. A organização do território das cidades se dá a partir de um sistema de transportes dedicado predominantemente para o automóvel individual. Nesse aspecto, o sistema viário tem construído nas cidades, principalmente nas áreas mais planas, áreas próximas aos rios e córregos. Vemos na maior parte das cidades essas regiões ocupadas por grandes avenidas. Isso propicia possibilidades de negócio para o setor imobiliário. Essas avenidas drenam, impermeabilizam, canalizam as águas e com isso criam acesso a uma grande quantidade de terra ao lado e que passam a ter valor no mercado imobiliário.

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