segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Nem com reza brava

Sem rasgar a cartilha de gestão pública do PSDB, é impossível cumprir as promessas de Serra para a área social

Em uma campanha presidencial marcada pela apuração de escândalos de compreensão um tanto complexa para o eleitor, é de causar espanto a falta de olhar crítico da mídia para as promessas do candidato José Serra, impraticáveis diante dos paradigmas de gestão tucanos. O presidenciável promete elevar para 600 reais o salário mínimo, hoje em 518 reais, reajustar em 10% as aposentadorias e pensões pagas pelo INSS e criar um 13º pagamento para o Bolsa Família. O rosário é mais comprido, mas não é preciso acompanhar o devaneio para revelá-lo como tal.

Consta no Orçamento de 2011 a proposta de elevar o salário mínimo para 538,14 reais. Serra propõe desembolsar 61,86 reais a mais por assalariado, para atingir os 600 reais. Apenas essa promessa de campanha custaria, portanto, 12,3 bilhões de reais. O montante é próximo ao orçamento total do programa Bolsa Família, atualmente em 13,7 bilhões de reais. Aliás, criar uma parcela a mais para o programa acrescentaria 1,14 bilhão de reais ao cálculo – em valores correntes. Finalmente, há o reajuste dos benefícios da Seguridade Social. Nesse caso, apelo ao cálculo do economista do Ipea Marcelo Caetano, que avaliou em 6,2 bilhões de reais o esforço adicional exigido pelo presente oferecido pelo tucano aos aposentados e pensionistas.

Acompanharam? No total, as promessas de campanha de Serra – uma vez eleito, e uma vez cumpridas – custariam a bagatela de 19,6 bilhões de reais aos cofres públicos. Há outros meios, talvez até mais precisos, de se realizar esse cálculo, mas dificilmente a cifra final será menos portentosa.

Para dar prosseguimento ao exercício, é forçoso imaginar que, apesar da mão aberta de Serra, a agenda neoliberal dos anos FHC não será rasgada, e um esforço fiscal terá de ser feito para pagar a conta da eleição. Contemos, a partir de agora, com a ajuda do especialista em contas públicas Amir Khair, ex-secretário de Finanças de São Paulo. Cumpre destacar que essa simulação foi feita por ele, em uma entrevista recente a CartaCapital, apenas para mostrar as limitações das estratégias de ajuste fiscal, seja qual for o candidato eleito. Mas o resultado se presta bem ao nosso exercício.

O gasto federal corresponde a uma parcela de 43% dos desembolsos totais do setor público. O restante fica a cargo das prefeituras e estados, acostumados a viver no limite da Lei da Responsabilidade Fiscal. Ou seja, é com essa base que o presidente da República pode trabalhar. De acordo com Khair, cerca de 80% do orçamento federal está legalmente engessado. Tratam-se de salários e outras obrigações constitucionais, que, como tais, só podem ser mudadas após exaustivas negociações no Congresso.

Da pouca margem de manobra que resta ao Executivo, o economista se dispõe a imaginar que um “choque de gestão” permita um corte de 30%. O extraordinário sacrifício equivaleria a 2,58% do gasto público nacional – o equivalente a 0,4% do PIB. Em cifras, 9,9 bilhões de reais. Conclusão: o máximo de “competência” na gestão pública não levaria Serra a cobrir sequer a metade de suas promessas de campanha.

Ele continua a criticar o endividamento público. Ao mesmo tempo em que promete elevar gastos sociais, ampliar investimentos e cortar impostos. Como, José?

Fonte: http://www.cartacapital.com.br/economia/nem-com-reza-brava

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