sexta-feira, 16 de julho de 2010

Palmada: vilã ou aliada no processo educativo?


Lorena Costa

Seja com tapas ou beliscões, a associação entre educar e punir fisicamente, sempre esteve presente na sociedade. Tal atitude, porém, pode estar com os dias contados, pois um projeto de lei que proíbe a prática de castigos físicos em crianças e adolescentes foi assinado na última quarta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e encaminhado ao Congresso Nacional. Mas, será que a velha “palmada” é mesmo prejudicial à formação do indivíduo? A questão gera polêmica e ainda deve ser bastante discutida entre pais, psicólogos e educadores.

Para a psicóloga Sandra Martins, o processo educativo deve ser iniciado a partir do nascimento da criança e jamais resumido na aplicação de castigos. “A educação é um processo complexo que não se realiza apenas num momento ou numa ação. Esse processo nunca deverá se iniciar quando a criança comete um ato que desagrade seus pais ou professores. Esse processo se inicia assim que a criança nasce e, tanto o amor, quanto o limite são fundamentais na formação de um indivíduo. Ele precisa sim entender que convive numa sociedade onde existem outras pessoas e também existem regras de relacionamento e convivência, que protegem os outros e ele mesmo. Toda ação gera uma reação, isso é básico, e é importante a noção de respeito e responsabilidade”.

As consequências de um castigo severo, de acordo com Martins, podem ser inúmeras. “Existe um consenso entre os profissionais que pesquisam sobre educação e saúde mental que os castigos mais severos trazem traumas para vida futura, algumas vezes irreversível. Estes castigos são humilhantes, coloca a criança numa posição de inferioridade, de dor, angústia, ressentimento, raiva. Além disso, comprometem sua auto-estima, sua segurança e suas relações posteriores, o que colabora na formação de adultos com problemas psicológicos importantes, incluindo distúrbios de comportamento de ordem violenta”, esclareceu.

A psicóloga destaca que a relação entre castigo e educação é antiga e existe como forma de controle. “Nossa sociedade ocidental traz embutida em si uma visão judaico cristã, da cultura da punição para “os pecados”. Daí se origina essa ideia do castigo, como modo de fazer com que o indivíduo entenda que fez algo de errado, sendo punido como consequência do seu ato para aprender e não repetir”.

No processo educativo, explica Sandra Martins, a boa orientação, o amor e o carinho é que devem servir na hora de impor limites e esclarecer à criança quanto ao certo e o errado. “A criança precisa ser educada, orientada, e, para isso são necessários amor, apoio, exemplo, diálogo e também correção. O fundamental é fazê-la entender que existe uma repercussão das suas ações. Dar limite à criança significa conduzi-la a entender quando faz algo correto ou não”, pontuou.

“Um tapinha não dói”

Mãe de três filhos, a funcionária pública Elizete Santana, acredita que “um tapinha não faz mal a ninguém”. Para ela, a educação é um processo intimista entre pais e filhos e deve ser encarada de modo diferenciado, caso a caso. “Criei meus três filhos com muito amor, mas – confesso – que dei alguns tapinhas quando necessário e nenhum deles criou traumas por conta disso. Pelo contrário, hoje eles são pessoas boas e até riem dos tapas que levaram, acho que reconhecem que estavam errados. O problema, na minha opinião, é fazer com que a palmada seja uma rotina na vida da criança”, considerou.

Elizete garantiu que, antes da palmada, sempre tentou resolver a situação com conversas. “Lógico, que nunca usei da palmada como primeira opção para disciplinar meus filhos.

Antes disso, tentava resolver no diálogo, mas – infelizmente – a conversa nem sempre surtia efeito. E, a partir daí, era que eu apelava para os tapinhas”, contou.

De acordo com a funcionária pública, o importante é saber manter o equilíbrio entre carinho e repressão. “Acho que a criança precisa entender que está tendo uma atitude errada, compreender as consequências da mal-criação, mas também ter a certeza de que terá amor, carinho e o apoio dos pais para aprender e fazer o que é certo”, concluiu.

Projeto de lei – O projeto de lei, assinado pelo presidente Lula também como forma de marcar os 20 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), visa garantir o direito de uma criança ou jovem de ser educado sem o uso de castigos corporais ou “tratamento cruel e degradante”.

Com o projeto, o artigo 18 da Lei 8.069, que institui o ECA, passa a definir “castigo corporal” como “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente” em qualquer ambiente, seja a residência, a escola, abrigos, unidades de internação e etc. Atualmente, o ECA já condena maus-tratos contra menores, mas não define se os maus-tratos seriam físicos ou morais. Para os infratores, as penas são: advertência, encaminhamento a programas de proteção à família e orientação psicológica.

Mas, para que as penalidades sejam aplicadas será necessário o testemunho de terceiros – como vizinhos, parentes e assistentes sociais – para que atestem o castigo corporal e queiram delatar o infrator para o Conselho Tutelar.

É preciso lembrar, no entanto, que o projeto de lei visa coibir qualquer tipo de agressão física, sem considerar a intensidade do beliscão, tapa ou empurrão, por exemplo. Pois, nos casos de lesões corporais graves, a lei já determina punição do responsável em acordo com o Código Penal, que prevê pena de um a quatro anos de prisão para quem “abusa dos meios de correção ou disciplina”, com agravante, se a vítima for menor de 14 anos.

Fonte: Tribuna da Bahia

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