terça-feira, 13 de julho de 2010

Como anda: após 20 anos, pontos- chave do ECA aguardam regras claras


Vinte anos depois da sanção do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), pontos considerados essenciais para garantir os direitos dos menores no Brasil ainda aguardam regulamentação. Para especialistas consultados pelo G1, a educação para menores infratores e o funcionamento dos conselhos tutelares são algumas das questões que demandam a criação de regras mais claras.

Sancionado em 13 de julho de 1990, o ECA é a regulamentação dos artigos 227 e 228 da Constituição que estabelece como "dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária" - clique aqui para ler o ECA.

Regulamentar significa criar regras, por meio de uma nova lei, decretos ou resoluções, para possibilitar o cumprimento da legislação.

De acordo com Carmem Oliveira, subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República e presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), um dos principais pontos que ainda precisa ser regulamentado é como possibilitar a escolarização e profissionalização de menores infratores que estão internados em instituições.

Carmem afirmou que a criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) está em discussão no Congresso. "Está bem próximo de ser concretizado, está passando sem modificações inclusive entre, digamos, defensores da redução da maioridade penal. (...) No ECA está muito vago, fala de direito a escola para menor internado, mas não diz que tipo de escola é. Isso está especificado no Sinase, que vincula a educação ao sistema formal de ensino com certificação do avanço da escolarização", explica.

Somente na Câmara dos Deputados, tramitam 169 propostas que alteram o ECA, conforme a Agência Câmara. Entre elas, está a que institui o Sinase. O Sinase ainda precisa passar por comissões e pelo plenário do Senado. Se passar, será enviado à sanção presidencial.

A juíza Brigitte Remor de Souza May, que integra a diretoria da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP), disse que, desde 1990, já foram aprovadas oito leis que alteraram o ECA, sendo que a nova lei da adoção foi a que trouxe mais mudanças.

Para a juíza, a regulamentação da educação para jovens que cumprem medidas socioeducativas é importante, mas ela destaca que esses adolescentes representam um grupo pequeno perto dos demais que também precisam de políticas públicas. "As pessoas acham que adolescentes são grandes responsáveis pela violência, mas representam pouco em relação aos adultos. Na internação, o problema não é só a educação, mas a saúde, a profissionalização", destaca.

Brigitte May afirmou que é preciso criar meios para prevenção da violência, como criação de escolas integrais e medidas para evitar evasão escolar e gravidez entre adolescentes.
A juíza destacou que há outros pontos da legislação que precisam de regras mais claras, como destituição de poder familiar.

Para ela, mesmo com as pendências, o ECA é um "avanço". "A ideia é aprimorar. Tem coisas que poderiam ser aperfeiçoadas, mas do jeito que está, foi um avanço." Ela destaca que, por conta da lei, muitos juízes conseguem garantir na Justiça que crianças sejam matriculadas em creches e em escolas. "Ele é nosso norte, um instrumental para garantia dos direitos."

A ABMP informou que criará grupos formados por juízes, defensores e promotores para discutir mudanças no ECA e enviar as sugestões ao Congresso.

Conselhos Tutelares
Carmem Oliveira, do Conanda, disse que outro ponto importante para a aplicação do ECA é assegurar o devido funcionamento dos conselhos tutelares. Ela afirmou que, na avaliação do governo, a falta de estrutura dos conselhos prejudica a implantação de políticas públicas e a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. De acordo com a lei, as prefeituras são responsáveis por garantir o funcionamento dos conselhos. Os conselhos, por sua vez, têm a função de denunciar maus tratos e assegurar vagas em creches, por exemplo.

Conforme Carmem, há uma resolução já aprovada pelo Conanda, mas que ainda não foi assinada pelo presidente, que prevê punição às prefeituras que não derem estrutura adequada ao funcionamento dos conselhos tutelares.

Uma pesquisa divulgada pela Agência Nacional dos Direitos da Infância (Andi), com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que nos últimos quatro anos o número de conselhos tutelares aumentou 24% no país. No entanto, o texto indica que a falta de estrutura ainda é o principal dos problemas dos conselhos. A pesquisa mostra ainda que o Maranhão é o estado com mais cidades sem conselhos tutelares: 48 dos 217 municípios não têm o órgão.

Castigos Corporais
A presidente do Conanda destaca também que o governo federal trabalha em um anteprojeto de lei, com participação de vários ministérios, que prevê punição a castigos corporais, tema que, segundo ela, também é tratado genericamente no ECA.

"Os castigos corporais ocorrem não somente no âmbito familiar, mas temos situação muito invisível, mas de gravidade. Não só de palmadas. Crianças que chegam com queimaduras. Situações que ocorrem em instituições de atendimento, escolas, abrigos, unidades de internação", destaca.

"O novo projeto aprimora o estatuto, que aborda os maus tratos de forma genérica. No nosso Código Civil há previsão de punição para castigos imoderados. (...) A gente prevê nos próximos dias enviar o texto ao Congresso", diz Carmem.

O juiz Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, integrante da Coordenadoria da Infância do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que atualmente assessora o ministro Cezar Peluzo no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), diz que uma regulamentação sobre castigos corporais não resolve o problema.

"A violência que tem que ser tratada enquanto educação. Não adianta ameaçar os pais para que parem de bater. Que se eduque a nova geração, que dá resultado muito maior."

AdoçãoInvestimento em abrigos é uma das necessidades
para garantir aplicação do ECA, segundo juiz (Foto
Luciana Rossetto/G1)

Para Cintra, falta implementação adequada do ECA por parte do Executivo. Ele destaca que é preciso aplicar recursos em mais abrigos, equipamentos para internação de adolescentes e programas específicos "bem elaborados" para jovens internados.

Coordenadora da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), a psicóloga Fernanda Lavarello diz que a educação para jovens internados e as melhorias em conselhos tutelares são necessárias. Mas ela destaca que é preciso uma definição melhor sobre a atribuição de cada órgão governamental sobre que é responsável por qual medida para a infância e a adolescência.

"Outra coisa que não está muito clara é a participação das crianças e dos adolescentes nas decisões que os afetam. Tem um espírito disso na lei, mas não está claro. Nas questões mais individuais, há previsão, mas deveria ter também nas deliberações mais políticas."

Para a psicóloga, o ECA trouxe o reconhecimento da população de crianças e adolescentes como "sujeito de direito". "

'Vontade'
Na avaliação do magistrado Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, é preciso "vontade de aplicar" o ECA. “O ECA já dá diretrizes necessárias. Num país como o nosso, com tanta diferença de hábitos, de costumes, é difícil fazer regulamentação que atenda todos os estados. Regulamentações são necessárias, mas não fundamentais. Se houver vontade, podem ser implantadas mudanças."

"Apesar de 20 anos e todas as deficiências, o estatuto avançou demais na mudança da visão das autoridades, da população, em relação à criança e ao adolescente. O estatuto tem cumprido sua obrigação e mudando paradigmas. Claro que podia estar melhor implementado, mas é uma mudança de pensamento", completa o juiz

Histórico do ECA
Segundo explicou ao G1 o pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa, que atuou na equipe responsável pela criação do ECA como representante da Unicef, as discussões sobre o estatuto começaram ainda na época da Constituinte, quando foi criada uma frente parlamentar para introduzir o direito da criança nas leis brasileiras.

Uma emenda constitucional de iniciativa popular, a "Criança Prioridade Nacional", foi assinada por 30 mil pessoas. Simbolicamente, assinaram a emenda 2 milhões de crianças e adolescentes de programas e escolas públicas. Essas assinaturas foram levadas em carrinhos de supermercado ao Congresso para Ulysses Guimarães (que presidiu a Assembleia Constituinte).

Em seguida, criou-se um grupo de redação do estatuto, formado por juristas e entidades, e o texto foi enviado para a Câmara dos Deputados e para o Senado, na intenção de agilizar a aprovação. O motivo para a pressa, conforme explicou Gomes da Costa, era uma conferência da ONU em 1990 da qual o Brasil participaria e precisaria, até lá, ter a legislação regulamentada.

O texto foi aprovado por acordo de líderes em 12 de julho de 1990 e sancionado no dia 13 pelo então presidente Fernando Collor.

Fonte: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/07/como-anda-apos-20-anos-pontos-chave-do-eca-aguardam-regras-claras.html

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