|
Nossa Senhora de Nazaré |
Olha, lá vai passando a procissão
Se arrastando que nem cobra pelo chão
As pessoas que nela vão passando
Acreditam nas coisas lá do céu,
As mulheres cantando, tiram verso
E os homens, escutando, tiram o chapéu
Eles vivem penando aqui na terra
Esperando o que Jesus prometeu..
(Procissão de Gilberto Gil)
Todas
as referências à origem da festa do Círio de Nazaré remetem à
lenda do aparecimento da imagem de N. Sra de Nazaré, com poderes
miraculosos, achada por um caboclo. Conta-se, em livros, edições
especiais de jornais, artigos e outros escritos, que Plácido José
de Souza era um caboclo da região, filho de um português e uma
índia nativa. Era agricultor e caçador, e possuía um sítio na
estrada do Maranhão (hoje Bairro de Nazaré).
Num
certo dia de outubro de 1700, Plácido saiu para caçar na região do
igarapé Murutucu (onde hoje é a Basílica). Depois de muito
caminhar pela mata, parou para refrescar-se nas águas do igarapé.
Ao levantar a cabeça, enxergou a imagem de Nossa Senhora entre as
pedras cheias de lodo. Católico fervoroso, Plácido levou a santa
para o barraco onde morava e ali, em um altar humilde, passou a
venerar Nossa Senhora.
Procurada
pelos viajantes que passavam pela estrada do Maranhão, a casa de
Plácido tornou-se lugar de culto a Nossa Senhora. Sabendo de seus
milagres, muitos devotos iam rezar, pagar promessas e agradecer os
milagres alcançados. Uma das passagens mais importantes do história
de N. Sra. de Nazaré, constantemente citada como justificativa da
construção da Basílica no lugar onde se encontra, diz respeito ao
eventos chamados pelo povo de sumiço da santa .
Diz-se
que no dia seguinte àquele em que foi encontrada, a imagem não
amanheceu no altar da casa de Plácido. Sem saber o que acontecera,
este saiu andando pela estrada indo parar às margens do Murutucu. Para
sua surpresa, a imagem estava novamente entre as pedras. Diz-se que a
santa sumiu outras vezes, quando retirada dali.
Esta
história chegou aos ouvidos do governador da época, que ordenou
que se levasse a imagem para o Palácio do Governo, onde ficou sob
intensa vigilância. Pela manhã, contudo, o altar estava vazio.
Impressionados com o milagre, os devotos concluíram que Nossa Senhora
queria ficar às margens do igarapé. E ali foi onde construíram
uma ermida, ao lado da qual o caboclo Plácido ergueu sua nova casa.
Com o passar do tempo, os milagres foram aumentando, trazendo à cidade
gente de vários lugarejos do interior, e a imagem acabou indo parar
em Belém .
Naquela
época, os viajantes que passavam pela casa de Plácido vinham do
Maranhão ou da Vigia (cerca de 200 quilômetros distante de Belém ),
onde já havia o culto a Nossa Senhora. Talvez algum devoto, após a
viagem, tenha parado no igarapé e deixado a imagem da santa nas
pedras, mas isto não importa.
Depois
de um longo processo de reconhecimento dos milagres da santa e da
devoção local por parte da igreja, em setembro de 1790, chegou a
autorização para a realização de homenagens à santa conforme o
Ritual Litúrgico. Foi então que o governador Francisco Coutinho
pensou em fazer uma procissão pela cidade. Dias antes da romaria,
porém, o governador adoeceu.
Prometeu,
então, à santa que, caso se recuperasse, ele mesmo levaria a
imagem até a capela do Palácio. Restabelecido, cumpriu sua promessa
e na madrugada de 8 de setembro de 1790, a Virgem chegou ao Palácio.
Ao amanhecer, a população de Belém se preparava para o primeiro
Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
No
mesmo dia, à tarde,após a celebração da missa, o governador
carregou a imagem da santa, apresentando-a à população e
entregando-a ao capelão do Palácio. Teve início, então, a procissão
com a tropa da cidade à frente, seguida pelos esquadrões de
cavalaria, batalhões de infantaria, duas filas de cavaleiros em
traje de gala, várias seges e serpentinas transportando as senhoras.
O palanquim, puxado por bois e ornamentado com flores - que conduzia o
padre com a santa percorreu o trajeto cercado por romeiros, o
governador, com um grande círio, os membros das Casas Civis e
Militar (todos uniformizados e à cavalo) e, por último, as baterias
de artilharia. Escrevendo a respeito do primeiro Círio, diz Artur
Vianna:
A
imagem foi transportada na véspera daquele dia à noite da ermida
para o palácio do governo. Pela iluminação de azeite da cidade,
escoou-se a multidão que cercava o carro da santa até desembocar
no largo da Campina, então sem as suas lâmpadas de arco voltaico,
sem o seu belo teatro, sem seus circos e restaurantes, e apenas
com seu belo cemitério, lúgubre, onde jaziam cadáveres dos
infelizes escravos e dos pobres flagelados pela varíola. [...] No
dia seguinte, à tarde, com todo o esplendor possível a uma
estréia, desfilou do palácio a romaria; na frente e no couce
marchava toda a tropa da cidade (Vianna, 1904: 237).
Desde
sua instituição, o Círio era realizado à tarde, prolongando-se
pela noite. O costume mudou em 1853 quando, ao atingir o Largo da
Pólvora (atual Praça da República), a romaria foi atingida por uma
violenta chuva.
A
imagem da santa foi levada às pressas pela tropa até a ermida, a
mando do comandante das armas. Para evitar a possibilidade da chuva, o
Círio passou a ser realizado durante a manhã, horário em que raras
vezes chove em Belém .
Em
1855, baía transbordou às vésperas da procissão do Círio,
transformando as ruas próximas em verdadeiros lamaçais. Durante a
procissão o carro puxado por bois, que conduzia a berlinda, não
conseguia passar. Alguém teve então a idéia de que seria melhor
desatrelar os bois, passar uma corda em volta da berlinda e sair
puxando até desatolar. Puxada pelos fiéis, a berlinda saiu do
atoleiro no alagado do Piri, no Ver-o-Peso, e chegou ao Largo das
Mercês.
Desse
modo foi levada até a ermida. Esta prática foi incorporada e, com o
passar dos anos, os romeiros continuaram a usar cordas e a força
dos braços para vencer os obstáculos do caminho, até que em 1868, a
diretoria da festa decidiu oficializar a corda no Círio. O fato
provocou alguns protestos, mas com o tempo se tornou a maior tradição
da romaria.
Desde
o início, o Círio de Nazaré saía da capela do Palácio do governo,
para onde a imagem era levada na véspera, durante a transladação.
Em 1882, no entanto, o bispo e o governador da Província, chegaram à
conclusão de que a catedral da Sé seria o melhor lugar para a
saída da procissão.
Em
1886, a Sagrada Congregação dos Ritos transferiu a festa de Nazaré
para o último domingo de outubro. Em 1901, o bispo fixou o segundo
domingo como data oficial do Círio. Coube ao poeta maranhense
Euclides Farias que vivia em Belém , compor o Hino a Nossa Senhora
de Nazaré, no ano do lançamento da pedra fundamental da nova igreja
que se decidiu construir, mais suntuosa e ampla. "Vós sois o lírio
mimoso" agradou muito aos fiéis e se transformou no Hino Oficial
do Círio. Em dez estrofes, o poeta canta as virtudes da Virgem de
Nazaré e pede sua benção.
HINO DE N. SRA. DE NAZARÉ
(Euclides Farias)
Vós sois o lírio mimoso
do mais suave perfume,
que ao lado do Santo Esposo
a castidade resume.
Ó Virgem Mãe amorosa,
fonte de amor e de fé
dai-nos a benção bondosa, [Refrão]
Senhora de Nazaré [Bis]
De vossos olhos o pranto
é como gota de orvalho
Que dá beleza e encanto
à flor pendente do galho
Se em vossos lábios divinos,
um doce riso desponta,
nos esplendores dos hinos
nossa alma ao céu remonta
Vós sois a flor da inocência,
que nossa vida embalsama,
com suavíssima essência
que sobre nos se derrama
Quando na vida sofremos
a mais atroz amargura,
de vossas mãos recebemos
a confortável doçura.
Vos sois a ridente aurora
de divinais esplendores
que a luz da fé avigora
nas almas dos pecadores.
Quando em suspiros e ais
sentimos a vida morta
nessas angústias finais
o vosso amor nos conforta
Sede bendita, senhora,
farol da eterna bonança
nos altos céus, onde mora
a luz da nossa esperança
E lá da celeste altura,
no vosso trono de luz,
dai-nos a paz e ventura
do nosso amado Jesus.
Com
linhas arquitetônicas seguindo o estilo romano, o templo tem 62
metros de comprimento e 20 de altura. O interior tem a nave central e
duas naves laterais, divididas por 36 colunas de granito róseo. As
doações em dinheiro feitas pelos devotos, incluindo os romeiros que
vinham do interior, foram fundamentais para a construção da
igreja. A inauguração aconteceu em outubro de 1941, já com o título
de Basílica, que recebeu em 1923. Desde 1920, porém, a imagem da
santa está em seu novo altar.
A Festa do Círio como evento total
O
Círio é um conjunto ou seqüência de rituais, podendo ser
entendido, todo ele, como um ritual complexo (Alves, 1980), com
desdobramentos de eventos que combinam os mesmos elementos. Ele
mobiliza toda a cidade de Belém e faz dela, durante os quinze dias
em que se realiza, o pólo de atração de romeiros de todo o norte e
nordeste do país, alcançando, atualmente, também os romeiros de
outros estados e ainda turistas de todo o mundo. A festa do Círio
de Nazaré já é reconhecida entre as maiores do mundo.
Toda
a cidade de Belém , portanto, católica ou não, se vê envolvida
pela perspectiva da festa, seja em termos sociais (a volta para a
festa dos parentes que vivem distantes, a chegada de um enorme
contingente de pessoas que ocupam a cidade, os novos conhecimentos etc)
ou em termos econômicos (serviços de hotelaria, comércio de
artefatos, turismo de todo tipo, transporte, restaurantes e toda
infra-estrutura necessária à recepção dos convidados da festa,
romeiros e pagadores de promessas) ou mesmo religiosos (mesmo outras
religiões devem se posicionar com relação ao Círio, manifestação
gigantesca de fé católica, totalizante, que impressiona fortemente
os que assistem ao evento).
Toda
a região entra em movimento a partir da perspectiva da
festa.Três eventos, contudo, podem ser entendidos como mais
significativos e organizadores dos demais, dentro da festa:
As procissões, com a do Círio servindo de paradigma
O
arraial ou festa propriamente dita, que coloca em relação o
sagrado (missas, novenas, romarias) e o profano (um parque de diversões,
entretenimento e o arraial no Largo de Nazaré)
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/brasil/brasil-belem-19.php